Harare, Zimbábue - Os protestos no Zimbábue contra uma suposta fraude nas eleições presidenciais deixaram três mortos nesta quarta-feira (1/8), quando os militares abriram fogo para reprimir as manifestações, afastando as esperanças de que o pleito marcaria o início de uma nova era no país africano.
[SAIBAMAIS]Os soldados atiraram durante protesto do partido opositor MDC (Movimento para a Mudança Democrática) no centro de Harare, disseram testemunhas, e um dos manifestantes morreu com um tiro no estômago, constatou um fotógrafo da AFP.
"A Polícia confirma a mal-afortunada morte de três pessoas durante os protestos e distúrbios no distrito de negócios do centro de Harare", explicou a porta-voz da força, Charity Charamba, à TV pública.
O ministro do Interior, Obert Mpofu, avisou que o governo não tolerará protestos da oposição nas ruas. "A oposição talvez tenha entendido nossa compreensão como fraqueza, mas se testar a nossa determinação estará cometendo um grande erro".
Os enfrentamentos em Harare com as forças de ordem começaram depois que os partidos da oposição acusaram a Comissão Eleitoral de fraude após o anúncio de vitória do partido governista no Zimbábue desde 1980, o Zanu-PF, com maioria absoluta na Assembleia Nacional.
Os Estados Unidos se declararam "profundamente preocupados" com a situação, e fizeram um apelo ao Exército para "demonstrar moderação quando dispersar os manifestantes".
Em Londres, a ministra encarregada de África na pasta das Relações Exteriores, Harriett Baldwin, disse no Twitter que estava "profundamente preocupada" com a violência no Zimbábue e pediu aos líderes políticos "que assumam a responsabilidade de garantir a calma e a moderação neste momento crítico", apontou.
A organização de direitos humanos Anistia Internacional pediu às autoridades do Zimbábue que iniciem uma investigação "rápida e efetiva" sobre a repressão militar.
"A conduta do exército deve ser investigada sem demora, e os responsáveis devem comparecer à justiça", disse Colm O Cuanachain, secretário-geral interino da organização com sede em Londres.
Antes de atirar em manifestantes, a Polícia também usou bombas de gás lacrimogêneo e jatos d;água para dispersar a multidão, concentrada em frente aos escritórios temporários da Comissão Eleitoral, ao que os manifestantes responderam atirando pedras e erguendo barricadas.
As Nações Unidas também pediram aos líderes políticos e cidadãos do Zimbábue que rejeitem qualquer forma de violência.
"Fazemos um apelo aos líderes políticos e à população em geral para que ajam com moderação e rejeitem qualquer forma de violência enquanto esperam a resolução das disputas e o anúncio dos resultados eleitorais", disse o porta-voz da ONU, Farhan Haq.
"Estamos preocupados com os informes de incidentes de violência em algumas partes do Zimbábue", acrescentou.
"Não queremos os soldados na rua. Não vão nos calar com seus fuzis", advertiu pouco antes Beridge Takaendesa, ex-corretor imobiliário de 43 anos.
O presidente Emmerson Mnangagwa, que em novembro sucedeu Robert Mugabe, deposto por um golpe após quase 40 anos no poder, acusou o partido opositor MDC pelos incidentes.
"Consideramos responsáveis a aliança opositora MDC e seus líderes por essa perturbação da paz nacional, cujo objetivo era desestabilizar o processo eleitoral", declarou o presidente em um comunicado.
Pouco antes desta declaração, Mnangagwa havia pedido em uma mensagem no Twitter que todos os setores demonstrassem responsabilidade e evitassem "fazer declarações provocadoras" até ter os resultados definitivos, escreveu.
As consultas eleitorais na era Mugabe regularmente eram marcadas por fraude e violência.
- "Desigualdade de possibilidades" -
Os observadores da União Europeia (UE) denunciaram nesta quarta-feira, em um comunicado, "a desigualdade de possibilidades" entre os candidatos às eleições gerais no Zimbábue e "intimidações aos eleitores".
A missão da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) saudou, por sua vez, "o clima pacífico" que prevaleceu durante a campanha e no dia de votação, que "deu ao povo zimbabuano a possibilidade de exercer seu direito constitucional".
Caso os resultados não sejam aceitos, a SADC "exortou" aos candidatos "de se absterem a toda forma de violência".
A Comissão Eleitoral (ZEC) publicou nesta quarta-feira os primeiros resultados parciais das legislativas. Em 153 circunscrições de um total de 210, o Zanu-PF obteve 110 assentos, enquanto a força opositora do MDC elegeu 41 deputados.
Segundo estes resultados, o governista ZANU-PF teria obtido a maioria absoluta na Assembleia Geral.
No entanto, o líder da oposição, Nelson Chamisa, denunciou no Twitter que a comissão eleitoral, criticada por sua parcialidade durante a era Mugabe, "quer publicar os resultados para ganhar tempo e impedir a vitória do povo nas eleições presidenciais".
"A estratégia tem como objetivo preparar mentalmente o Zimbábue para que aceite os falsos resultados das presidenciais", reiterou Chamisa, cujo partido, o MDC, reivindicou a vitória na terça-feira.
- Oposição indignada -
Os resultados definitivos podem ser conhecidos na sexta ou no sábado, o que causou indignação nos opositores ao MDC, que acusam a comissão eleitoral de querer manipular os resultados.
Se nenhum dos candidatos alcançar a maioria absoluta no primeiro turno, vão se enfrentar em um segundo turno, em 8 de setembro. Os resultados das legislativas, anunciados na quarta-feira pela comissão eleitoral, contradizem a vitória reivindicada na terça pela oposição ao MDC.
"Recebemos os resultados dos nossos colaboradores (...) Os resultados nos mostram que, para além de qualquer dúvida razoável, vencemos as eleições e que o próximo presidente do Zimbábue será Nelson Chamisa", o candidato às presidenciais do MDC, assegurou um líder do partido, Tendai Biti.
Chamisa tinha sido o braço direito de Mugabe. No entanto, o nonagenário deposto pediu votos para a oposição.