Jornal Correio Braziliense

Mundo

'Espero justiça; sei que não vai acontecer', diz mãe de bebê morto

Criança morreu nos braços do pai, em meio aos ataques, no sábado, de policiais, parapoliciais e paramilitares contra uma universidade e vários bairros da capital

Em um pequeno caixão branco junto a uma cruz de flores amarela repousa o corpo do bebê morto por uma bala na cabeça durante o ataque das forças do governo de Daniel Ortega em Manágua. Ao redor, familiares, amigos e vizinhos gritam por justiça.

O pequeno Leonardo, de 14 meses, morreu nos braços de seu pai na rua, em meio aos ataques, no sábado, de policiais, parapoliciais e paramilitares contra uma universidade e vários bairros da capital e de outras cidades como Masaya (sul), com balanço de oito mortos.

"Espero justiça; sei que não vai acontecer, mas a justiça de Deus chegará mais cedo ou mais tarde", declarou a mãe de Leonardo, Karina Navarrete, que também tem uma menina de 5 anos.

O casal e seus dois filhos estavam indo para a casa da avó paterna deixar o bebê porque Karina trabalha como empregada doméstica. "Logo começaram a disparar e atingiram a cabeça do meu bebê", recorda falando à AFP.

"Ninguém me contou. Eu os vi. Eram policiais que começaram a disparar contra nós. Eu posso confirmar diante de qualquer um que eram policiais", assegura.

Ela também assegurou que, naquele momento, não havia enfrentamentos com os manifestantes.

"Esperaram que passasse alguém pela rua para disparar e atingiram a cabeça do menino. Saímos correndo pedindo ajuda, mas ninguém queria abrir a porta por causa da polícia", acrescentou.

Ante a comoção provocada pela morte do bebê, a polícia emitiu um comunicado negando ser responsável pela morte e a atribuiu a "delinquentes que sitiam os bairros".

No velório do bebê, sua bisavó, Rosario Sánchez, estava devastada. "É uma dor horrível, parece mentira o que aconteceu com meu menininho. Quando me contaram, desmaiei, porque os netos são tão amados quanto os filhos".

Em meio a tanta dor, Karina mostrou à imprensa o atestado de óbito emitido pelo hospital que atendeu seu filho. Nas opções sobre possíveis causas da morte, uma foi marcada: suspeita de suicídio.


Outro episódio violento

Em uma casa de Américas, bairro que teve a luz cortada desde a noite de sexta, foi realizado o velório de José María Orozco, de 65 anos e que padecia de transtornos mentais. Segundo contaram os familiares e amigos indignados, ele saiu à rua sem se importar com os riscos.

"Ele não estava envolvido em nada. Sua loucura era andar pelas ruas. Quando vimos que havia sido baleado, tentamos levá-lo para o hospital, os policias não nos deixaram passar. Ele estava afogado em sangue", contou uma vizinha, que não quis se identificar.

Na pista de acesso ao bairro, dezenas de policiais mascarados e com fuzis de assaltos realizaram uma violenta operação para a retirada das barricados dos manifestantes.

"Os policiais e os paramilitares entraram disparando para todo lado e usavam um drone para nos vigiar. O que fizemos foi correr porque estávamos desarmados e só tínhamos morteiros e pedras", contou um dos manifestantes.

Os protestos que tiveram início em 18 de abril contra a reforma do sistema previdenciário do país se generalizaram para outros setores em repúdio à repressão do governo, que deixou mais de 200 mortos.