Bonn, Alemanha - Por trás das discussões nas conferências climáticas da ONU sobre ajuda aos países pobres que enfrentam os efeitos extremos do aquecimento global e se prepararem para cenários piores, projetos reais capazes de salvar estilos de vida - e vidas em si - se amontoam, aguardando aprovação e financiamento.
As nações ricas abrem lentamente a torneira para ajudar a reforçar áreas costeiras ameaçadas pelo aumento do nível do mar, a tornar os cultivos resistentes a secas, a mudar o transporte público movido a petróleo para elétrico, e gerar eletricidade com energia solar e eólica.
Dezenas de bilhões de dólares - a cifra real é duramente contestada - de fontes públicas e privadas financiam projetos como estes todos os anos.
Mas o dinheiro não chega perto dos US$ 100 bilhões anuais prometidos a partir de 2020, e é um trocado em comparação com os trilhões que os especialistas estimam ser necessários para a transição mundial para a economia verde.
Assinado por 197 países, o Acordo de Paris visa a conter a elevação da temperatura no planeta "bem abaixo" dos 2; C e cresce a pressão para baixar esse limite a 1,5; C.
Esta pode ser uma missão impossível, advertem alguns cientistas. O termômetro global já subiu 1; C e o horizonte de um mundo com aquecimento limitado a 1,5; C pode ser comparado a caminhar na corda bamba.
Até mesmo a meta de 2; C é considerada enormemente ambiciosa.
Em qualquer cenário, no entanto, regiões pobres altamente expostas ao risco climático se arriscam a sofrer impactos capazes de alterar estilos de vida devido à poluição do carbono - às vezes pioradas pela escassez de opções.
Restaurando pântanos
No sudoeste e no leste de Uganda, por exemplo, vastos pântanos drenados para abrir espaço a cultivos se tornaram improdutivos e não absorvem mais a água da chuva que desce das encostas do Monte Elgon durante as tempestades intensificadas com as mudanças climáticas, informou em entrevista recente à AFP Benjamin Larroquette, do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas.
"É uma roleta russa" para quem tem cultivos de subsistência, que nunca sabe quando uma enchente vai destruir seus plantios.
Um projeto de US$ 44,3 milhões, gerenciado por Larroquette, irá restaurar cerca de 60.000 hectares (600 milhões de metros quadrados) de pântanos nos próximos oito anos, e religar as redes de córregos e riachos locais.
Serão beneficiadas um milhão de pessoas, que também vão aprender a montar fazendas de piscicultura e plantar cultivos compatíveis com áreas pantanosas.
Mais de metade do dinheiro são dos US$ 10 bilhões do Fundo Verde para o Clima (GCF, na sigla em inglês), que apoia projetos que ajudam países em desenvolvimento a se adaptar às mudanças climáticas e reduzir sua pegada de carbono.
O GCF é uma peça em um quebra-cabeça muito maior de financiamento climático que há muito tempo divide países ricos e em desenvolvimento nas negociações da ONU.
Muitas das disputas se concentram na questão do financiamento. Os países receptores buscam compromissos claros de mais dinheiro de fontes públicas, enquanto os doadores favorecem empréstimos e um papel mais amplo do setor privado.
Guarda-chuva no furacão
Mas todo mundo concorda em que o que está na mesa agora é insuficiente no longo prazo.
"Estamos falando de milhões e bilhões de dólares, enquanto deveríamos falar de trilhões", resumiu a chefe climática da ONU, Patricia Espinosa, a delegados de mais de 190 países reunidos na conferência sobre o clima da ONU, celebrada em abril, em Bonn.
"Deixem-me colocar desta forma: tentar responder ao desafio das mudanças climáticas com os níveis atuais de financiamento é enfrentar um furacão de categoria 5 com um guarda-chuva", comparou.
O Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas estima que só a adaptação às mudanças climáticas vá exigir um gasto de 140 a 300 bilhões de dólares ao ano até 2030.
A questão financeira dificulta, inclusive, saber quanto atualmente é gasto em programas do tipo.
Segundo um relatório recente da ONG Oxfam International, dos US$ 48 bilhões desembolsados em financiamento climático em 2015 e 2016, apenas US$ 16 a US$ 21 bilhões - menos da metade - foram realmente "financiamento público líquido específico para o clima".
As cifras oficiais são superestimadas aumentando o componente climático de projetos de desenvolvimento mais amplos, e ao contar o valor de face dos empréstimos sem levar em conta os pagamentos de juros, acrescentou a ONG.
O GCF provavelmente vá desembolsar mais de 60% de suas reservas iniciais antes da próxima conferência sobre o clima da ONU, prevista para dezembro na Polônia, provocando um impulso para reabastecer o fundo. Mas como - e em que velocidade - ainda deve ser definido.
"Um novo e ousado comprometimento com o GCF geraria enorme confiança nos países em desenvolvimento", avaliou Tracy Carty, especialista em finanças da Oxfam.