Jornal Correio Braziliense

Mundo

Entrevista com Antonio Ledezma: 'Eleições na Venezuela são uma fraude'

Ao Correio, o ex-prefeito de Caracas e líder opositor exilado diz que, com as eleições de 20 de maio, Maduro busca "uma migalha de legitimidade"


Os anseios de liberdade calaram fundo na alma de Antonio Ledezma, 63 anos, desde que o então prefeito de Caracas foi preso pelo Serviço de Inteligência Bolivariano, em 19 de fevereiro de 2015, sob a acusação de envolvimento em um complô com os Estados Unidos para derrubar o presidente venezuelano, Nicolás Maduro. Depois de quase três anos em prisão fechada e domiciliar, ele fugiu para a Colômbia. Ontem, Ledezma esteve em Brasília, onde se reuniu com parlamentares, foi convidado para um almoço com os presidentes Michel Temer e Sebastián Piñera (Chile) e foi condecorado pelo chanceler Aloysio Nunes Ferreira (foto). Em entrevista exclusiva ao Correio, por telefone, o ex-prefeito opositor classificou de ;fraude; as eleições presidenciais venezuelanas de 20 de maio e cobrou sanções contra o regime.

Como o senhor vê a disposição de Nicolás Maduro de realizar as eleições, mesmo ante a condenação da comunidade internacional?
Maduro não pretende realizar eleições, mas consumar outra fraude. Ele é um mentiroso contumaz. Como todo ditador, se sente imune à condenação da comunidade internacional. Maduro deveria revisar a história e compreender que o destino da intolerância que ele tem manifestado é o mesmo de (Adolf) Hitler, (Benito) Mussolini e (Manuel) Noriega, do Panamá.

As eleições seriam um manobra de Maduro para mostrar que está disposto ao jogo democrático?
O que Maduro busca é uma migalha de legitimidade. Por isso, ele monta essa trama de uma eleição controlada. Trata de criar uma oposição à sua imagem e semelhança, que lhe sirva de cenário para tratar de legitimar a grande armadilha que montou.
[SAIBAMAIS]O Brasil descartou impor mais sanções ao regime de Caracas. Que ações o senhor espera de Brasília?
Nós queremos uma solidariedade efetiva. Uma maneira de colocar em marcha um plano de ações eficientes para conter a ditadura da Venezuela é ditar sanções personalizadas, como fizeram o Canadá, os Estados Unidos e a União Europeia. Com maiores razões, deveria também fazê-lo o nosso vizinho (Brasil), que também sofre os embates causados pela narcoditadura venezuelana. Não se trata de sanções contra a população, mas contra funcionários corruptos, comprometidos com o narcotráfico e com o terrorismo, diretamente responsáveis por violações dos direitos humanos elementares.

Quais sanções seriam necessárias?
Pedimos a identificação de funcionários que tenham relação com o narcotráfico. Também daqueles responsáveis por atos de corrupção, como Maduro, que está envolvido no escândalo da Odebrecht. Essa empresa envolveu os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, o vice-presidente do Equador (Jorge Glas) e o presidente do Peru (Pedro Pablo Kuczynski). Sabe-se que Maduro recebeu mais de US$ 35 milhões por contratos firmados com a Odebrecht. Pedimos, também, que se impulsionem os trâmites no Tribunal Penal Internacional.

Como o senhor vê a atual situação humanitária na Venezuela?
A situação é catastrófica: 87% da população vive em condições de pobreza; entre 61% e 77%, em estado de pobreza crítica. Nove em cada 10 venezuelanos não têm renda suficiente para adquirir a cesta básica, que custa mais do que 54 salários-mínimos. Um trabalhador não recebe sequer US$ 2 por mês. As condições da saúde pública são pavorosas. Nesta semana, foi divulgado um informe que apontou o ressurgimento de uma epidemia de malária. No ano passado, foram detectados mais de 500 mil casos. Mais de 300 mil crianças sofrem de sintomas crônicos de desnutrição. A insegurança é terrível. Temos os índices de criminalidade mais altos do mundo: 89 assassinatos por 100 mil habitantes.

Por que o senhor decidiu fugir da Venezuela?
Minha intenção foi recuperar a liberdade, como deve fazer todo o ser humano privado desse direito. Eu padeci de 35 meses de cárcere, mais de mil dias sem poder respirar a liberdade, sem ter o devido processo. Nesse período, tive apenas uma audiência e enfrentaria até 26 anos de prisão. A Venezuela se converteu no maior campo de concentração da história da humanidade. Ali se realizam políticas de extermínio e de genocídio em massa.

Há espaço para a democracia na Venezuela?
Por mais de 40 anos, desfrutamos de uma democracia que precisava ser aperfeiçoada, não naufragada por exponentes desse esquema populista repleto de anacronismos, o qual encarna o denominado projeto do ;socialismo do século 21;. O povo da Venezuela quer recuperar a sua democracia. Por isso, temos tentado soluções pacíficas e dado provas de nossa vontade e nosso desejo. Em 2016, propusemos um referendo revogatório que foi recusado pelo regime. Também aceitamos dialogar atendendo a um chamado do papa Francisco. Mas esse diálogo foi desvirtuado para que Maduro ganhasse tempo.