Pelo menos 24 pessoas morreram na onda de protestos que estremece a Nicarágua neste domingo (22/4). As manifestações colocam o presidente Daniel Ortega contra a parede. O Centro Nicaraguense de Direitos Humanos (Cenidh) disse à reportagem que confirmou com as famílias das vítimas a morte de 24 pessoas envolvidas nos protestos violentos. As pessoas foram às ruas contra uma reforma do sistema previdenciário que começaram na quarta-feira (18/4). "A situação é verdadeiramente grave", disse mais cedo a presidente do Cenidh, Vilma Núñez.
As vítimas incluem estudantes que iniciaram o movimento, agentes de polícia e jovens simpatizantes da governante Frente Sandinista, acusados de atacar os manifestantes. A reportagem consultou a polícia e o governo para confirmar o balanço de mortos, mas não obteve resposta até a última atualização deste texto.
O governo tinha confirmado, na noite de sexta-feira, que havia mais de dez vítimas, às quais se somou o jornalista Miguel Ángel Gahona, morto no sábado por um disparo na cidade de Bluefields, enquanto transmitia um confronto entre policiais e manifestantes ao vivo pelo Facebook.
Saques e filas
Em meio ao clima tenso, a população lotou supermercados e lojas em busca de mantimentos. Foram registrados, só neste domingo, roubos a diversos estabelecimentos comerciais. "Com essa greve é capaz que fiquemos sem nada para comer", alertou Inés Espinoza, carregando garrafas de água, enquanto seus filhos a seguiam com sacolas de comidas em Manágua.
Nos postos de gasolina, longas filas de carros e motos se formaram, em busca de combustível. Todos com medo de desabastecimento. Na capital, as ruas estavam cheias de escombros deixados por manifestantes, enquanto vários se dirigiam à Universidade Politécnica, epicentro das manifestações, onde centenas de estudantes ficaram entrincheirados.
O papa Francisco expressou sua preocupação e pediu o fim do clima de tensão na Nicarágua. "Estou muito preocupado com tudo o que está acontecendo nesses dias na Nicarágua. Expresso minha proximidade com a oração por este país amado e me uno aos bispos para pedir o fim de toda a violência", disse Francisco, após a oração Regina Coeli, na praça de São Pedro do Vaticano nesta manhã.
EUA e UE criticam violência
O Departamento de Estado americano condenou as mortes no país e pediu para as autoridades julgarem os responsáveis. "Condenamos a violência e a força excessiva usada pela polícia e outros contra civis, que exercem seu direito constitucional de liberdade de expressão e reunião", afirma a nota.
A União Europeia também classificou a violência como "inaceitável" e questionou os ataques à liberdade de expressão e de imprensa, com o bloqueio de veículos de comunicação e as agressões a jornalistas. "A UE está pronta para apoiar um diálogo amplo e inclusivo entre todos os setores da sociedade e o governo, e a fortalecer o império da lei na Nicarágua", segundo a declaração europeia.
Numa tentativa de controlar a tensão, o presidente Ortega pediu, no sábado, para dialogar com o setor privado, que aumenta as contribuições dos trabalhadores e dos empregadores para garantir a estabilidade financeira do Instituto Nacional de Previdência Social (INSS, na sigla em espanhol) da Nicarágua, que paga aposentadorias.
Até o bispo auxiliar de Manágua, Silvio Báez, pediu no Twitter para Ortega "depor sua atitude arrogante, escutar o povo, abrir-se ao diálogo com toda a sociedade, sentir a dor de tantas famílias e colaborar com a paz no país".
O grêmio empresarial também respondeu a Ortega que "não pode haver diálogo" se o governo "não interromper imediatamente a repressão policial" e respeitar a liberdade de manifestação e de imprensa.
Mal-estar
Jovens manifestantes criticaram neste domingo o presidente do Conselho Superior de Empresas Privadas (COSEP), José Aguirre, quando ele chegou a uma loja, e pediram para ele que convocar uma greve nacional. "Eles estão matando estudantes, e você não fez nada, só vejo indiferença", gritou um manifestante.
Líderes políticos acreditam que os protestos vão além do descontentamento com as reformas do sistema previdenciário e apontam para a necessidade de uma mudança na direção do país.
"Aqui não há outra saída que não seja fazer eleições livres, transparentes (...) para evitar que haja um custo maior à população", disse à AFP a presidente do opositor Frente Ampla pela Democracia (FAD), Violeta Granera, cujo movimento foi excluído das eleições de 2016, quando Ortega foi reeleito.
A jornalista Cristiana Chamorro, ex-diretora do jornal La Prensa, considerou que o presidente tem apenas duas opções: sair pela via eleitoral, como em 1990, ou "ensanguentado", como o ex-ditador Anastasio Somoza, deposto em 1990 pela Revolução Sandinista.