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Santa Clara, a cidade da região central de Cuba que ostenta o mausoléu com os restos mortais de Ernesto Che Guevara, acostumou-se a vê-lo pedalando entre sua casa e a sede local do Partido Comunista de Cuba (PCC). Miguel Díaz-Canel, que assume hoje a presidência dos conselhos de Estado e de Ministros, no lugar de Raúl Castro, nasceu ali, pouco mais de um ano depois de o médico revolucionário argentino ter comandado sua coluna guerrilheira na conquista da capital provincial ; a derrota que selou o destino do ditador Fulgêncio Batista e determinou sua fuga da ilha, na noite de ano-novo que deu início a 1959.
Foi lá, em outubro do ano passado, no cinquentenário da morte do ;guerrilheiro heroico;, que o sucessor designado de Raúl Castro perfilou-se para, talvez pela primeira vez, apresentar-se ao país como a nova imagem da liderança do regime instalado seis décadas atrás, sob a liderança de Fidel, irmão mais velho de Raúl, morto em novembro de 2016. Enalteceu o Che, ícone de gerações de esquerdistas de todo o mundo, como a inspiração fundamental para a ;construção do homem novo;, a base ideológica do regime.
Foi na ;cidade do Che; que o novo presidente de Cuba formou-se como engenheiro e começou a escalada silenciosa nas fileiras do partido, começando pela Juventude Comunista, nos anos 1980. Em 1991, Díaz-Canel já integrava o Comitê Central e respondia pela direção do PCC na província de Villa Clara, da qual Santa Clara é a capital. Depois de mais alguns anos e de comandar o partido na província de Holguín, o engenheiro que jamais exerceu a profissão ascendeu em 2003 ao todo-poderoso Politburo ; aos 43 anos, o mais jovem dirigente a integrar a alta cúpula comunista.
Miguel Díaz-Canel não perdeu, na carreira, os traços fundamentais que o fizeram popular em Santa Clara. Diferentemente de Fidel e de outros veteranos, nunca foi reconhecido por discursos notáveis, fosse pela verve ou pela duração. Mas era festejado como um ;galego; simples: tratava igualmente os hierarcas do regime e os funcionários mais subalternos. Andava de bicicleta apenas por gosto desenvolvido na juventude, quando ostentava cabelos longos ; quase um tabu na época ; e era fã confesso dos Beatles, como o festejado cantor e compositor Sílvio Rodríguez, um dos pais da nueva trova, que ocupa na história da música cubana um lugar semelhante ao da MPB, no Brasil.
Foi apenas em 2009, já após o afastamento de Fidel, nocauteado por uma operação de emergência na região abdominal, que Raúl decidiu chamar Díaz-Canel para Havana. Encarregou-o do estratégico Ministério da Educação, porta-bandeira de uma das vitrines do regime comunista cubano, ao lado da saúde pública.
O momento não poderia ser mais emblemático. No mesmo ano, com as bênçãos de Fidel, convalescente e manobrando com desenvoltura nos bastidores, o caçula dos Castro destituiu dois dos nomes mais cotados para encabeçar a ;transição geracional;. Conscientes de que seu tempo se aproximava do fim, como o de toda a geração da guerrilha na Serra Maestra, Raúl preparava cuidadosamente a futura direção do regime. Carlos Lage, arquiteto das reformas econômicas, e o chanceler Felipe Pérez Roque avançaram o sinal. Foram destituídos dos cargos que ocupavam e afastados do partido, sob a acusação de terem se ;oferecido; ao mundo como herdeiros.
Desde então, os caminhos foram se abrindo para o novo ;escolhido;. Em 2013, quando se tornou o primeiro vice-presidente, Raúl introduziu a limitação de dois mandatos de cinco anos para os ocupantes de cargos de direção no partido e no Estado. O encontro da nova geração com o poder estava marcado para 2018, e a face de Cuba no período pós-Castro estava definida.