Não foram poucas as dificuldades que a venezuelana Stefany Maestre, de 26 anos, enfrentou ao longo do último ano: teve o comércio fechado pelo governo, passou fome ao dar aos três filhos, de 4, 8 e 10 anos, os únicos alimentos que tinha em casa, perdeu 12 quilos e teve de pedir carona por mais de mil quilômetros para conseguir fugir da situação de extrema pobreza
Quando finalmente conseguiu cruzar a fronteira e chegar à Boa Vista, em Roraima, achou que as coisas não tinham como piorar. O que não imaginava é que viveria uma situação similar à escravidão justamente na maior e mais rica cidade do país.
Sem encontrar emprego em Roraima, Stefany, o marido e as três crianças receberam uma proposta para vir a São Paulo, onde os dois adultos trabalhariam em uma oficina de costura. Foram contratados por um boliviano que se ofereceu para pagar a passagem de avião entre Boa Vista e a capital paulista. Os empregadores prometeram pagar R$ 900 mensais a Stefany e R$ 700 ao marido por 12 horas diárias de trabalho, "com alguns pequenos descontos" pela moradia e pela comida que seriam oferecidas à família.
Desesperados, os venezuelanos aceitaram a oferta e embarcaram para São Paulo no dia 4 de março. Chegaram ao novo emprego já devendo o valor das passagens dos cinco integrantes da família, em um valor total de R$ 2,2 mil.
Depois da segunda semana de trabalho, as condições de trabalho oferecidas passaram a ser descumpridas. "Eles nos faziam trabalhar das 6 até as 22, 23 horas. Diziam que até as 19 horas a gente trabalhava pelo salário. Depois daquilo era hora extra para compensar a comida e a moradia que eles nos davam."
Os bolivianos também começaram a maltratar os filhos do casal, que eram trancados no quarto "para não atrapalhar" o trabalho dos pais na costura. A pressão por maior rapidez no serviço também era intensa. "Eu costurava 650 calças por semana e eles ainda achavam pouco", diz a imigrante.
Os empregadores também recolheram os passaportes e certidões de nascimento da família venezuelana, alegando que iriam ajudá-los com a obtenção da documentação juntamente com a Polícia Federal. Passadas duas semanas e sem nenhuma novidade sobre o processo, Stefany e o marido, já muito desconfiados de toda a situação, pediram os documentos de volta e enviaram mensagem para uma conterrânea que vivia no Brasil, pedindo ajuda.
"Ela me levou um dia à Missão Paz (projeto da Igreja Católica) e lá contei tudo que estava passando. Foi aí que me disseram que isso não era permitido pela lei brasileira e que estávamos sendo explorados", conta.
Decisão
Após três semanas em São Paulo, o casal decidiu deixar o emprego e procurar abrigo na Casa do Migrante, espaço da Missão Paz que dá moradia a estrangeiros. Pediram ao chefe que lhes pagassem o período trabalhado, mas o homem se negou, afirmando que o casal ainda tinha dívidas com ele. "Decidimos ir embora mesmo assim porque era nossa oportunidade de fugir", conta Stefany, que desde o dia 26 vive com a família no abrigo da missão católica e agora tenta regularizar sua situação no País para poder emitir a carteira de trabalho e buscar um emprego digno.
Após três semanas em São Paulo, o casal decidiu deixar o emprego e procurar abrigo na Casa do Migrante, espaço da Missão Paz que dá moradia a estrangeiros. Pediram ao chefe que lhes pagassem o período trabalhado, mas o homem se negou, afirmando que o casal ainda tinha dívidas com ele. "Decidimos ir embora mesmo assim porque era nossa oportunidade de fugir", conta Stefany, que desde o dia 26 vive com a família no abrigo da missão católica e agora tenta regularizar sua situação no País para poder emitir a carteira de trabalho e buscar um emprego digno.
Segundo o padre Paolo Parise, diretor da Missão Paz, já há sinais de que os venezuelanos são os novos alvos de empresas exploradoras. "Isso acontece com todos os grupos de imigrantes que chegam em grande quantidade. Temos uma ação que faz a ponte entre empregadores e estrangeiros. Desde 2012, quando iniciamos o serviço, 2 mil empresas fizeram contratações dentro da lei, mas outras 2 mil foram impedidas por nós de contratar porque vimos indícios de precarização", conta.
Segundo o padre, são empresas que geralmente não querem fazer o registro em carteira nem oferecer as demais garantias trabalhistas. "Querem apenas mão de obra barata e tentam se aproveitar da situação de desespero dos imigrantes", diz.