Agência France-Presse
postado em 28/03/2018 15:29
Al Zuhur, Iraque - Malak, de 10 anos, está feliz com sua mochila nova. A pequena iraquiana da minoria cigana, a mais marginalizada do país, passou com boas notas e quer continuar estudando no colégio aberto em sua aldeia 14 anos depois que islamitas armados o destruíram.
"Via crianças com mochilas na televisão e pareciam felizes de ir ao colégio", conta à AFP. "Sentia um pouco de inveja porque nosso colégio foi destruído há anos". Em 2004, grupos armados islamitas atacaram sua aldeia de Al Zuhur, na província de Diwaniya, 200 quilômetros ao sul de Bagdá, e destruíram a escola.
Antes da invasão americana de 2003 e da queda do regime de Sadam Hussein, os ciganos eram conhecidos por suas dançarinas e músicos e convidados para as festas oficiais. Depois, a situação desta minoria chegada da Índia há séculos mudou radicalmente.
Os ciganos do Iraque são de crença muçulmana, mas os grupos islamitas os acusaram de organizar festas em que se consumia álcool e de ter hábitos permissivos. Muitos das dezenas de milhares de ciganos deste país de 37 milhões de habitantes fugiram da sua região natal para escapar da violência e acabaram mendigando.
Expulsos de colégios
Foi o que aconteceu no povoado de Al Zuhur depois do ataque islamita de 2004 que deixou mortos e feridos. Graças a uma campanha de arrecadação de fundos, centenas de famílias conseguiram reabrir o colégio nesta aldeia sem asfalto e com uma sequência de casas de pedra com telhados de folhas de palmeira. Há zonas com lixo amontoado, entre o qual os gansos caminham.
"Quando fiquei sabendo, fiquei muito feliz, implorei ao meu pai para me matricular", diz à AFP Malak. Agora que estuda "leitura, escrita, matemática e ciências", Malak "sonha ser professora" para um dia dar aulas para as crianças da aldeia.
Com a falta de escolas, alguns tentaram continuar os estudos em centros dos arredores, mas como "eram insultados e às vezes batiam neles, muitos pararam", explica à AFP Manar al Zubeidi, ativista de direitos humanos na província de Diwaniya.
Esta iraquiana xiita, grupo majoritário no país, foi uma das promotoras da campanha para a reabertura da escola de Al Zuhur.
Na internet, junto com outros colaboradores cansados das muitas associações de direitos humanos que não lhes davam atenção quando abordavam o tema dos ciganos, lançou a hashtag "os ciganos são humanos". Com a perseverança, a campanha chamou a atenção do Ministério da Educação, da Unicef e da instância do governo encarregada dos direitos humanos.
;Barreiras sociais;
Primeiro juntaram o material e depois procuraram professores. Não foi fácil devido às "barreiras sociais", assegura Zubeidi. Muitos recusaram a oferta por medo de ser rotulados pela má fama que persegue os ciganos em Diwaniya, a segunda província mais pobre do Iraque e com muitas minorias.
Qasem Abas hesitou, mas "quando soube que estas crianças estavam há 14 anos sem escola, pensou que trabalhava no ensino para das aulas a todos, sem distinção de sexo ou de origem, e aceitou". Desde o início do ano escolar é o diretor do centro Al Nakhil.
O professor resiste diante dos comentários pejorativos e das críticas nas redes sociais. Com outros professores, é responsável por 27 crianças do ensino primário. Nas provas de fim de semestre, viu o resultado de seus esforços: "90% dos alunos foram aprovados, e muitos com notas altas".
Primeiro deram aula em uma tenda, e agora em um complexo pré-fabricado com seis salas de aula e três enfermarias, diz o representante da Unicef em Diwaniya, Haydar Sattar. Em pouco tempo, Al Nakhil terá "cursos de alfabetização", sobretudo para mulheres.