Douma, Síria - Os ataques aéreos e disparos de foguete foram reportados nesta terça-feira (27/2) no enclave rebelde de Ghuta Oriental, comprometendo a "trégua humanitária" diária decretada na Síria pela Rússia, grande aliado do regime de Bashar al-Assad.
Após uma noite relativamente calma e da entrada em vigor desta trégua de cinco horas às 9h00 (04h00 de Brasília), duas pessoas morreram e outras 16 ficaram feridas, de acordo com o Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH).
"Vinte e cinco morteiros, ataques aéreos e barris de explosivos foram lançados (pelo regime) em Ghuta, matando dois civis, incluindo uma criança", indicou o diretor da ONG, Rami Abdel Rahman.
Por sua vez, a agência oficial de notícias síria Sana relatou disparos de foguetes pelos rebeldes visando os corredores humanitários perto de Al-Rafidain. Os tiros seriam para impedir que civis deixem da área, segundo a agência oficial.
Como resultado, o futuro da trégua dependerá da atitude dos rebeldes e do fim de suas "provocações", acrescentou a presidência russa. O general russo Viktor Pankov também acusou os rebeldes de dispararem contra o "corredor humanitário", aberto às 9h00 pelo Exército russo.
"Atualmente, há tiros intensos por parte dos combatentes e nenhum civil saiu" do reduto rebelde, lamentou, citado pelas agências russas. Na segunda-feira, Moscou anunciou planos para estabelecer "corredores humanitários" para permitir tais evacuações.
Esta manhã, a situação parecia ter recuperado brevemente uma aparência de normalidade em Ghuta, uma região a leste da capital Damasco, alvo há 10 dias de uma violenta campanha aérea do regime, que já fez mais de 560 vítimas civis.
De acordo com correspondentes da AFP, os moradores refugiados em porões começaram a deixar seus abrigos pela primeira vez em 10 dias para inspecionar suas casas e estocar alimentos. Mas, pouco depois, os combates foram retomados, segundo confirmou a ONU.
População sem ajuda
Esta nova tentativa de cessar as hostilidades ocorre quatro dias após a votação pelo Conselho de Segurança da ONU de uma resolução pedindo um cessar-fogo "sem demora" de 30 dias. Com a retomada dos combates, nenhum ferido foi evacuado, enquanto nenhuma ajuda humanitária pode ser encaminhada.
"Constatamos que os combates continuam (...), o que torna impossível enviar comboios", indicou Jens Laerke, porta-voz do Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha). Sitiada desde 2013, Ghuta Oriental e seus 400.000 habitantes sofrem, além dos bombardeios, de uma excassez de alimentos e remédios.
De acordo com o Ocha, mais de 700 pessoas precisam de evacuação médica de emergência, enquanto 12% das crianças com menos de cinco anos sofrem de desnutrição grave e uma criança em cada três de um retardo de crescimento.
O porta-voz da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tarik Jasarevic, afirmou que sua agência possui uma lista de 1.000 pessoas à espera de evacuação médica, incluindo 600 em um estado "moderado a severo". A recente ofensiva do regime e de seu aliado russo desativaram vários hospitais no enclave e geraram um aumento nos preços dos alimentos, de acordo com o Ocha.
Mesmo cenário de Aleppo
Enquanto isso, as facções rebeldes em Ghuta prometeram nesta terça-feira em uma carta à ONU "expulsar" os combatentes de um grupo jihadista em troca da implementação da trégua prevista pela ONU.
Nas ruas de Duma, os moradores do enclave rebelde, último bolsão de resistência ao poder de Bashar al-Assad perto da capital, expressaram profundo ceticismo sobre o "cessar-fogo russo", antecipando uma repetição do cenário observado no final de 2016 em Aleppo, a grande cidade do norte assumida pelo regime. "Esta trégua é uma piada, a Rússia nos mata todos os dias e nos bombardeia todos os dias", disse Samer al-Bouydani à AFP.
"Não posso confiar em seus autores para sair (de Ghuta) com minha família (através dos corredores humanitários). É o regime que está nos matando, como posso confiar nele?", acrescentou o jovem de 25 anos. Mohammed Al-Abdullah, da localidade de Hammuriyé, também argumentou que a trégua "não era do interesse do povo".
"Temos duas opções: morrer ou partir. A campanha até agora tem sido uma operação de extermínio, não uma ofensiva normal", afirmou, pedindo uma "trégua permanente e a abertura de passagens humanitárias (...) com garantias internacionais".
"Não pode haver uma trégua de 30 dias seguida de uma nova campanha de extermínio (...) Vimos o que aconteceu em Aleppo (...), é o mesmo cenário que se repete", apontou. Em 2016, a Rússia anunciou várias tréguas humanitárias durante os combates para recuperar a parte rebelde da cidade de Aleppo. Corredores foram instalados, mas poucos civis os utilizaram.