Washington, Estados Unidos - Donald Trump tentava nesta sexta-feira (12/1) se descolar do escândalo provocado por sua menção a "países de merda", em uma referência a Haiti, El Salvador e a nações africanas, declaração que um funcionário de alto nível da ONU denunciou como "racista". Hoje pela manhã, Trump recorreu a sua arma favorita - o Twitter - para se defender e negar a declaração. Rapidamente foi desmentido por um senador do Partido Democrata que esteve nessa reunião e confirmou a versão.
Em uma primeira mensagem, Trump admitiu que foram ditas coisas "duras" em uma reunião na Casa Branca ontem pra discutir imigração, mas garantiu que "essa não foi a linguagem usada". Uma hora mais tarde, Trump voltou ao tema no Twitter para assegurar que nunca disse "qualquer coisa depreciativa sobre os haitianos, além de dizer que o Haiti é, obviamente, um país muito pobre e com muitos problemas".
Pouco depois, porém, o senador democrata Rick Durbin, que participou da reunião, disse que Trump de fato se referiu a "países de merda" e que fez isso mais de uma vez. Trump "tuitou esta manhã negando que usou essas palavras. Não é verdade. Ele disse essas coisas cheias de ódio, e as disse repetidamente (...) Deu essas declarações vis e vulgares, chamando essas nações de países de merda", lamentou Durbin.
Diversas fontes apontam que Trump se referia a nações africanas, ao Haiti e a El Salvador. "Por que todas essas pessoas de países de merda vêm aqui?", teria dito Trump, acrescentando que queria imigrantes de países nórdicos, como a Noruega.
Indignação global
Em poucas horas, o escândalo se tornou internacional, com uma forte onda de indignação com as declarações do presidente americano. Em Genebra, o porta-voz do alto comissário para Direitos Humanos da ONU, Rupert Colville, classificou as palavras de Trump como vergonhosas. "Se se confirmarem, são comentários escandalosos e vergonhosos por parte do presidente dos Estados Unidos. Sinto muito, mas a única palavra que se pode usar é racista", frisou.
Para Colville, a visão manifesta em suas declarações mostram "o pior lado da humanidade, validando e estimulando o racismo e a xenofobia". Em Porto Príncipe, o governo do Haiti emitiu uma nota enérgica, na qual considerou "inaceitáveis" as declarações "odiosas e abjetas" de Trump, por considerar que refletem "uma visão simplista e racista completamente equivocada".
[SAIBAMAIS]O governo de El Salvador também protestou hoje. "El Salvador exige respeito à dignidade de seu nobre e corajoso povo", disse o presidente Salvador Sánchez Cerén, ao ler um comunicado durante um ato público em San Salvador.
As expressões "agridem a dignidade" dos cidadãos salvadorenhos, completou. "Tendo esperado prudentemente por um pronunciamento oficial do governo dos Estados Unidos para esclarecê-las, ou desmenti-las, e ao ter conhecimento unicamente pelas redes sociais de algumas reações do presidente Trump, onde aceita implicitamente o uso de termos duros em detrimento da dignidade de El Salvador e de outros países, (o governo) expressa sua rejeição inequívoca a esse tipo de afirmação", reforça o comunicado.
Em Adis Abeba, a União Africana condenou as declarações "ofensivas e perturbadoras" do presidente americano. "Na minha opinião, não é apenas ofensivo para as pessoas de origem africana nos Estados Unidos, mas também para os cidadãos africanos", disse à AFP Ebba Kalondo, porta-voz do presidente da Comissão da União Africana, Moussa Faki.
"Isso é ainda mais ofensivo dada a realidade histórica do número de africanos que chegaram aos Estados Unidos como escravos", acrescentou. O governo de Botsuana convocou o embaixador americano para explicar se essa nação africana é "considerada um país de merda".
;Não é bem-vindo; a Londres
Em Londres, o prefeito Sadiq Khan celebrou a decisão de Trump de cancelar uma visita à cidade, porque "não é bem-vindo" lá. "Muitos londrinos deixaram claro que Donald Trump não é bem-vindo (...) Parece que, finalmente, entendeu", afirmou o prefeito, embora a suspensão da viagem esteja relacionada com uma polêmica sobre a sede da nova embaixada americana em Londres.
Nos EUA, as reações também não demoraram a aparecer. Nascido em Chicago e filho de pais porto-riquenhos, o congressista democrata Luis Gutiérrez comentou que "agora se pode dizer com 100% de certeza que o presidente é um racista". "Tenho vergonha do nosso presidente", acrescentou.
A onda de indignação também imperava entre os republicanos. A legisladora Mia Love, de família haitiana, disse que a declaração de Trump era "divisiva" e defendeu que um pedido de desculpas é imperativo. Para Tim Scott, o único senador negro entre os republicanos, as declarações de Trump são "decepcionantes".
Um alto funcionário do Departamento de Estado informou nesta sexta-feira que os diplomatas americanos no Haiti e nos países africanos receberam um guia sobre como responder caso sejam convocados a dar explicações. Segundo esse guia, "os embaixadores e os encarrecados de negócios deverão destacar que é uma honra estar em seus respectivos postos e o quanto valorizamos nossa relação com o povo de cada país".
Em busca de um acordo
Na quinta-feira, Trump recebeu na Casa Branca um grupo de congressistas democratas e republicanos para tentar chegar a um acordo sobre uma lei geral migratória. O republicano Lindsey Graham e o democrata Durbin tentavam alinhavar o acordo, mas, ao chegarem à Casa Branca, observaram que Trump estava acompanhado de outros legisladores que defendem "linha dura" com os imigrantes.
O acordo tenta chegar a uma saída para a situação dos cerca de 680 mil jovens que ingressaram de forma irregular no país ainda crianças e que regularizaram seu status com o programa DACA, aprovado durante o governo de Barack Obama e cancelado por Trump.