A trégua com o Exército de Libertação Nacional (ELN) enfrenta sua primeira crise na Colômbia. O assassinato admitido pelos rebeldes de um líder indígena mina a confiança no cessar-fogo acordado em meio aos diálogos de paz em Quito.
O governo decidiu nesta segunda-feira (30/10) manter o cessar-fogo vigente desde 1; de outubro, com uma duração inicial de três meses, depois da confissão do assassinato por parte de uma frente da guerrilha que pediu perdão pelo caso.
[SAIBAMAIS]"Nenhum incidente por si só será a causa de uma ruptura do cessar-fogo de forma unilateral e automática", esclareceu o escritório do comissário da Paz em um comunicado.
Ainda assim, o caso supõe um "incidente grave" que será avaliado pela missão de verificação composta pela ONU, pela Igreja Católica e pelas duas partes comprometidas desde fevereiro em uma negociação de paz em Quito.
Somente depois do pronunciamento do mecanismo em um prazo não determinado, o governo e os rebeldes definirão "a continuidade do cessar-fogo", segundo o governo.
O assassinato que tensionou o acordo com o ELN aconteceu na quarta-feira (25/10) no departamento de Chocó, em meio a uma série de ataques a líderes sociais e aos direitos humanos que deixam 200 mortos desde janeiro de 2016, de acordo com a Defensoria Pública (ombudsman).
O governador indígena Aulio Isarama Forastero, de 29 anos, havia sido detido acusado de ter supostas ligações com a Inteligência militar, e morreu depois de se negar a ir com seus captores.
O dirigente "se negou a caminhar e se lançou sobre um de nossos guerrilheiros, com o trágico desfecho conhecido", expressou a Frente de Guerra Ocidental Omar Gómez em comunicado divulgado no domingo (29).
Além do fim das ações militares, o ELN se comprometeu a suspender os sequestros e ataques à infraestrutura petroleira durante a trégua, que acabará em 9 de janeiro.
Unidade em questão
Embora nenhuma das duas partes tenha reconhecido que se tratou de uma violação do acordado, especialistas em conflito acreditam que essa ação enfraquece a credibilidade na primeira trégua bilateral aceita pelo grupo guevarista desde que pegou em armas em 1964.
"Essa lentidão é que faz com que todo mundo comece a pedir a retirada da mesa" de negociações, assinala Ariel Ávila, da Fundação Paz e Reconciliação, à AFP.
Em sua opinião, embora dificilmente as partes deixem o cessar-fogo por mais "reprovável e doloroso" que seja o crime, o ELN "não entendeu" os "problemas de apoio" nas negociações, e que um crime assim "só faz minar essa confiança com um governo enfraquecido".
A menos de um ano de deixar o poder, Juan Manuel Santos tentar levar à frente os diálogos com o ELN e avança, entre tropeços, na implementação do acordo que levou ao desarme e transformação em partido político da guerrilha marxista Farc.
Santos enfrenta não apenas o rechaço da oposição em seu esforço de paz como a deterioração da coalizão do governo no Congresso, fundamental para a aprovação das leis e reformas que surgem dos acordos.
E pelo lado do ELN, o assassinato do governador indígena supõe novas dúvidas sobre a coesão dessa organização armada.
Ao menos a frente envolvida no crime "não decidiu parar totalmente" sua atividade, assinala Frederic Massé, acadêmico especialista em conflito, que acredita que a direção do ELN será obrigada a dar uma resposta pública para além do perdão já enviado.
Uma dura condenação seria "o reconhecimento de que essa frente de guerra ocidental é dissidente", disse à AFP.
Com 1.500 combatentes segundo as autoridades, o ELN é a única guerrilha ativa reconhecida pelo governo, e diferentemente das Farc, tem uma estrutura federada.
"Aqui o que o ELN tem que fazer é ajustar os parafusos e levar alguém da Frente de Guerra Ocidental para as negociações em Quito", acrescenta Ariel Ávila.
Em meio à trégua, as partes instalaram na quarta-feira em Quito o quarto ciclo de negociações de paz no Equador.