Sob um retrato de Karl Marx preso à parede, o ex-militante de extrema-esquerda Cesare Battisti, entrevistado pela AFP perto de São Paulo, afirma que "a tensão é grande" a poucos dias da decisão da Justiça sobre sua eventual extradição para a Itália.
Observando pelo canto do olho seu filho Raul, de quatro anos, que corre ao redor, parece profundamente marcado pelos quase 40 anos de uma fuga praticamente permanente. Condenado à prisão perpétua na Itália por quatro assassinatos cometidos no final da década de 1970, Battisti sempre clamou sua inocência e afirma ser vítima de uma perseguição política.
"Se o meu processo fosse baseado apenas nos aspectos legais, eu não estaria nesta situação", estima o italiano de 62 anos, falando em um português intercalado com algumas palavras em francês, na casa de um amigo que o aloja em Cananéia (litoral de São Paulo).
Sua voz é pausada, e seus olhos mostram um certo cansaço. Ele diz que aguarda a decisão da Justiça que selará seu destino em meio a uma "grande tensão".
No Brasil desde 2004, depois de ter passado cerca de quinze anos na França, vive sob a ameaça de muitos pedidos de extradição da Itália.
No final de 2010, Roma recebeu a recusa categórica do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que decidiu não entregar Battisti em um decreto aprovado no último dia do seu mandato.
Guernica e Che Guevara
Mas o vento pode ter mudado de direção com o atual presidente Michel Temer, mais inclinado a responder positivamente às demandas italianas.
"Uma lei estipula que este decreto não pode ser anulado após um período de cinco anos. E, além disso, há uma questão ética", argumenta o ex-membro dos Proletários armados pelo comunismo.
Na sala de estar da casa, o retrato de Karl Marx divide o espaço com outro de Che Guevara, uma bandeira da Palestina e uma reprodução de Guernica, a famosa pintura de Pablo Picasso.
"Não tenho certeza que Temer fará isso (extraditá-lo). Surpreenderia-me que um presidente pudesse revogar o decreto de um de seus antecessores", insiste.
Battisti espera a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que deve decidir o seu caso em Brasília a partir de terça-feira: a extradição de Battisti seria legal ou não?
Sua companheira Priscila, uma professora de 31 anos e mãe do pequeno Raul, olha para ele com preocupação. Um sentimento que a agita há mais de duas semanas, quando soube que o italiano tinha sido preso na fronteira boliviana.
Ele viajava com dois amigos e as autoridades consideraram que transportava uma quantidade de dinheiro superior à permitida pelas autoridades alfandegárias.
Um juiz o colocou em prisão preventiva, considerando que Battisti poderia tentar fugir do Brasil, mas seus advogados conseguiram sua libertação alguns dias depois.
"Foi um sequestro organizado que não funcionou, caso contrário, eu já estaria em um avião militar. Há meses que foi preparado, com grandes meios %u200B%u200Be o apoio da Itália", acusa.
Torcedor do Corinthians
Este incidente, que ocorreu quando, segundo ele, atravessava a fronteira boliviana para comprar equipamento de pesca, provocou uma nova tempestade na imprensa, que lhe tirou a paz que tanto apreciava em Cananéia, cidade de 12.000 habitantes.
Os vizinhos ainda recordam os boatos de alguns anos atrás sobre a chegada de um certo fugitivo italiano que poderia, segundo a lenda, ter sua casa destruída por um misterioso comando estrangeiro.
O comando nunca chegou e as pessoas o veem mais como um cara normal que gosta de saborear uma garrafa de vinho à beira-mar, vestindo a camisa do Corinthians.
"Eu sinto que eu nasci aqui", sorri Battisti.
Mas, a mais de 10.000 km de distância, Roma continua determinada a garantir a extradição da encarnação viva dos "anos de chumbo".
"Eu sempre disse que sou culpado de ter participado de um grupo armado e de ter me posicionado contra um Estado fascista, mafioso e ladrão. Mas os crimes pelos quais fui condenado, eles devem apresentar provas", afirma, sem pestanejar.
"A única coisa que me incomoda um pouco é a dor causada à minha família", acrescenta o italiano, lembrando que deixou duas filhas na França.
Ainda assim, não se arrepende. "A luta deve ser travada para melhorar as condições de vida do povo, dos pobres, daqueles que não têm acesso à riqueza do mundo", conclui.