"Por que os bascos sim e os catalães não?", resumiu recentemente o jornal barcelonês La Vanguardia.
[SAIBAMAIS]Na Espanha, o Estado central arrecada a maior parte dos impostos e depois compartilha o recebido entre as 17 regiões que o compõe. As únicas exceções são o País Basco e a vizinha Navarra, que arrecadam diretamente os tributos dos contribuintes e decidem por conta própria em que gastam o dinheiro.
A participação das duas regiões nos gastos do Estado central são mínimas e se limitam essencialmente à Defesa e a um fundo de solidariedade entre regiões. Igualmente, têm reembolsada parte do arrecadado com o IVA.
O resultado de tudo isto é que "o gasto público no País Basco é o dobro em comparação com o resto da Espanha. É uma desigualdade insuportável e tem algo a ver com o problema catalão", explica Alain Cuenca, especialista em financiamento regional da Universidade de Zaragoza.
Bascos e navarros podem passar como ricos, já que juntamente com a região de Madri ocupam os três primeiros postos da renda per capita da Espanha.
Tensão crescente
Nos últimos meses parou de aumentar a tensão na Catalunha, onde o governo separatista convocou para 1; de outubro um referendo de autodeterminação proibido pela Justiça espanhola.
Os privilégios fiscais do País Basco, instaurados no século XIX e parcialmente abolidos durante a ditadura franquista, foram restabelecidos pela Constituição democrática de 1978.
Uma decisão que, segundo vários especialistas consultados pela AFP, foi tomada em parte sob a pressão dos atentados da organização separatista armada ETA, que por então matava a cada ano dezenas de pessoas.
Diante deste sistema tão vantajoso, "há uma percepção de injustiça de parte de muitos cidadãos na Catalunha", diz Joan Botella, professor de ciência política da Universidade Autônoma de Barcelona.
Sobretudo quando a Catalunha aporta quase 20% do PIB espanhol, contra 6% do País Vasco.
Além disso, costuma ocorrer que o governo regional basco se nega a pagar o que deve ao Estado central, sem que haja sanções, aponta Cuenca. "Os aviões militares, por exemplo, deve-se pagá-los, mas quando não estão de acordo [com a quantia], não pagam".
Os catalães, por sua vez, entregam ao Estado mais dinheiro do que recebem: 10 bilhões de euros, segundo Madri, 16 bilhões de euros, segundo Barcelona.
A questão fiscal "não é a única motivação do movimento separatista, mas tem sido um elemento muito importante", lembra Botella.
Cálculo equitativo
O argumento fiscal se tornou um mantra com a eleição de Artur Mas como presidente da Catalunha em 2010. Dois anos depois, propôs solenemente a Madri um novo acordo fiscal, calcado no modelo basco.
Diante da recusa do conservador Mariano Rajoy, confrontado com uma dura crise econômica desde que chegou ao poder em 2011, Mas convocou eleições antecipadas, que venceu em 2013 com a promessa de organizar um referendo de autodeterminação, uma ideia defendida até então unicamente nos círculos separatistas mais radicais.
A frustração "desempenhou um papel significativo" na ascensão do separatismo na Catalunha, comenta Caroline Gray, especialista em movimentos separatistas espanhóis na universidade britânica de Aston.
Segundo ela, "vai além do aspecto financeiro, não se trata apenas de pedir dinheiro para a Catalunha, trata-se de pedir o poder de decidir. É uma questão de controle e de autoridade".
Com sua autonomia fiscal, os bascos têm uma relação com Madri que "nenhuma força política da Catalunha poderia estabelecer nunca com o governo espanhol", constatava em setembro o atual presidente catalão, o separatista Carles Puigdemont.
"O problema é que o sistema basco não pode se estender aos catalães enquanto não se calcule de forma mais equitativa", assegura Alain Cuenca.
É que, segundo ele, "se se faz o mesmo com a Catalunha, a Espanha quebra", por ser aquela uma região maior e com uma economia maior.
A revisão do sistema seria especialmente difícil para um Mariano Rajoy em minoria no Parlamento espanhol, e dependente dos cinco deputados bascos para levar adiante os orçamentos.
A poucos dias de um referendo que desata paixões, "as questões econômicas são vistas como pouco importantes. Mas quando a fumaça se dissipar (...), a solução deverá comportar elementos distintos e um deles certamente será o fiscal", antecipa Joan Botella.