O Senado argentino aprovou nesta quarta-feira por unanimidade uma lei que impede a libertação antecipada de condenados por delitos contra a Humanidade, antes de uma marcha de repúdio contra uma decisão da Suprema Corte que revoltou o país.
Com 56 votos a favor e nenhum contra, os senadores de todo o espectro político argentino, da esquerda à direita, deram uma resposta contundente para evitar a libertação de condenados por violação dos direitos humanos, possibilidade deixada em aberto por uma polêmica decisão da Corte há uma semana.
Durante a madrugada, deputados da oposição e ligados ao governo da Argentina também aprovaram a lei que os constitucionalistas apontavam como o caminho mais rápido para evitar a redução das condenações dos repressores.
O debate foi longo e histórico, reflexo de como é sensível o tema das violações dos direitos humanos durante a última ditadura (1976-83) no país.
A questionada decisão da Suprema Corte, no qual três dos cinco juízes aprovaram a redução da pena do ex-agente paramilitar Luis Muiña - condenado a 13 anos de prisão -, provocou revolta de advogados, juízes, promotores e congressistas, que pediram o não reconhecimento da mesma.
Na terça-feira, os três juízes que votaram a favor da medida foram acusados de prevaricação, depois que muitos consideraram que atuaram de maneira arbitrária e contrária ao que determinam os parâmetros internacionais da questão.
O presidente Mauricio Macri, acusado pelos detratores de estar por trás da decisão da Corte, quebrou nesta quarta um criticado silêncio. "Sou contra qualquer ferramenta que facilite a impunidade, ainda mais quando é por delitos contra a Humanidade", enfatizou.
A ex-presidente e opositora Cristina Kirchner alertou que a decisão "permitiria recuperar a liberdade de mais de 700 genocidas condenados por delitos contra a Humanidade".
Na Argentina, a decisão da Corte em um tema particular como o caso Muiña pode ser questionada e não acatada por tribunais de primeira instância. Desde sexta-feira, pelo menos três juízes se negaram a conceder o benefício da redução de pena a repressores condenados que apresentaram os pedidos.
Especialistas calculam que ao menos 250 condenados por crimes contra a humanidade poderiam solicitar a libertação antecipada.
O projeto de lei tinha apenas três artigos: estabelece que o benefício conhecido como "dois por um", que permite ao condenado descontar dois anos de prisão por cada ano cumprido da sentença, "não é aplicável a delitos contra a humanidade, genocídio e crimes de guerra".
O segundo artigo destaca que "será aplicável apenas aos casos nos quais o condenado estava em prisão preventiva durante a vigência da lei", entre 1994 e 2001.
O terceiro, em clara referência à Suprema Corte, afirma que o que está escrito nos dois artigos anteriores é "a interpretação autêntica" do benefício "dois por um" e que "será aplicável aos casos em trâmite".
O pedido para a apreciação do tema foi feito por Victoria Donda, neta recuperada graças ao trabalho da organização Avós da Praça de Maio e deputada de centro-esquerda que preside a Comissão de Direitos Humanos.
Donda pediu "uma contundente e clara mensagem à justiça de que neste país não vamos renunciar à memória, verdade e justiça" após uma ditadura que deixou 30.000 desaparecidos, segundo organizações de defesa dos direitos humanos.
"Não queremos que nenhum genocida caminhe em nossas ruas", disse Donda.