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Veja por que monarquias do Golfo ficaram de fora do decreto de Trump

Os sete países listados "parecem ter sido selecionados por causa de suas más relações com os Estados Unidos ou a instabilidade dessas relações", explica um especialista

As monarquias do Golfo, entre elas a Arábia Saudita e outros países de maioria muçulmana, ficaram de fora do decreto de Donald Trump que limita a imigração porque são aliados de Washington e não são Estados falidos, segundo analistas consultados pela AFP.

A polêmica decisão de Trump aplica-se aos cidadãos de sete países (Irã, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iêmen) para impedir a entrada nos Estados Unidos de "terroristas islâmicos radicais".

Mas o decreto, que poderia ser expandido para outros Estados, isenta vários países cujos cidadãos estiveram envolvidos em sangrentos atentados no Ocidente. Assim, dos 19 autores dos ataques de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, 15 eram da Arábia Saudita.
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A lista de Donald Trump está "cheia de anomalias" e "é muito difícil entender sua lógica", estima Kate Clark, diretora do Afghan Analysts Network.

Ela inclui o Iraque, que Washington apoia ativamente, especialmente para retomar a cidade de Mossul, e o Irã, país predominantemente xiita também envolvido na luta contra o grupo radical sunita.

Os sete países listados "parecem ter sido selecionados por causa de suas más relações com os Estados Unidos ou a instabilidade dessas relações", explica Adam Baron, do Conselho Europeu de Relações Exteriores.

Este não é o caso do reino saudita, o berço do wahabismo, uma versão rígida do Islã, que é um aliado estratégico de Washington há mais de sete décadas.

"De acordo com uma política americana de longa data, Trump parece considerar os Estados do Golfo como aliados-chave", de acordo com Baron.

Seu decreto não se aplica a países onde os americanos têm "estreitas parcerias com suas forças de combate ao terrorismo, e onde existe uma estrutura bem desenvolvida da cooperação em inteligência", acrescenta Anthony Cordesman, do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais em Washington.

A Arábia Saudita está há mais de uma década em guerra contra a Al-Qaeda e participa com outros países do Golfo da coalizão internacional sob comando americano que combate o EI na Síria e no Iraque.

Trump também telefonou ao rei saudita Salman e ao homem forte dos Emirados Arábes Unidos, xeque Mohammed bin Zayed, para selar uma cooperação na luta contra o "terrorismo islâmico radical", segundo a Casa Branca.

"O inimigo do meu inimigo é meu amigo. Desde que a Arábia Saudita é o inimigo do Irã e que o Irã é o inimigo de Israel, resulta que os Estados Unidos são amigos da Arábia Saudita", observa Mathieu Guidere, professor de geopolítica do Oriente Médio, em Paris.

De acordo com este especialista, o decreto de Trump é baseado em "indicadores de Estados falidos", que são "incapazes de proporcionar segurança e trocar dados com os Estados Unidos sobre os seus cidadãos".

Nesta área, Washington conta com o Egito, o país árabe mais populoso e berço da Irmandade Muçulmana, classificado como um grupo "terrorista" pelo Cairo e pelas monarquias do Golfo.

"Egito e Arábia Saudita são vistos como importantes parceiros dos Estados Unidos" no Oriente Médio, observa Victor Salama, da Universidade do Cairo, evocando "convergência de visões" entre Trump e o presidente egípcio, Abdel Fatah al-Sissi.

Interesses pessoais

interesses financeiros pessoais do presidente bilionário também foram citados para explicar por que alguns países não estavam na lista negra.

Um mapa desenhado pela Bloomberg mostra que Trump tem negócios no Egito, Arábia Saudita, Turquia e Emirados Árabes Unidos.

"Há contratos que podem explicar por que a Arábia Saudita não está na lista", aponta Kate Clark.

Mas outros especialistas minimizam este fator. "Aproveitar-se do nome de uma marca para vender não é um argumento suficiente para motivar um presidente", estima Anthony Cordesman, referindo-se a marca Trump.

Além do Oriente Médio, o presidente republicano tem interesses comerciais na Indonésia, o país muçulmano mais populoso do mundo que há tempos enfrenta o Islã radical.

"Ele não quer comprometer isso", diz Tobias Basuki, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais em Jacarta. E, como ela é uma "democracia", a Indonésia não é uma ameaça, afirma.

Rahimullah Yusafzai, especialista em Talibã, revela que se o Afeganistão não está na lista, é por causa da forte presença americana no país.

"Eles têm soldados e precisam de apoio" local, disse ele, acrescentando que, se foram impostas restrições sobre os afegãos, "isso poderia enviar um sinal negativo, enquanto os Estados Unidos e a Otan têm sido incapazes de estabilizar o país".

Além disso, os americanos "também precisam do Paquistão para o Afeganistão", e seu status de potência nuclear "também poderia ser um fator."