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Papa aceita renúncia do Grão-Mestre da Ordem de Malta

A saída de Festing, britânico de 68 anos, à frente da Ordem desde 2008, é um gesto muito incomum, já que o cargo é vitalício

O papa Francisco aceitou nesta quarta-feira (25/1) a renúncia do Grão-Mestre da Ordem de Malta, Matthew Festing, pondo fim a um conflito incomum entre a milenar congregação e o Vaticano.

"Ontem (terça-feira), durante a audiência com o Santo Padre, sua alteza Matthew Festing entregou sua renúncia como Grão-Mestre da Soberana Ordem de Malta. O papa a aceitou hoje (quarta) e manifestou seu apreço e reconhecimento pelos sentimentos de lealdade e devoção", informou o Vaticano em um comunicado.

"O governo da Ordem será assumido de forma interina pelo Grão-Comendador (o alemão Ludwig Hoffmann von Rumerstein) até que seja designado um delegado pontifício", acrescenta a nota.

Fontes religiosas explicaram que o delegado pontifício é uma espécie de interventor. Recorreu-se à sua figura em alguns poucos casos. Em 2010, por exemplo, o papa Bento XVI usou essa figura para a renovação dos Legionários de Cristo, após o escândalo envolvendo seu fundador, Marcial Maciel. Ele foi condenado por abusos sexuais contra seminaristas, por ter tido filhos com diferentes mulheres e por ser consumidor de drogas.

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A saída de Festing, britânico de 68 anos, à frente da Ordem desde 2008, é um gesto muito incomum, já que o cargo é vitalício.

"Nesta terça à tarde, o papa recebeu o grão-mestre e lhe pediu que o demitisse. Ele aceitou", anunciou a Ordem horas antes em um comunicado.

A Ordem de Malta - uma das instituições cristãs mais antigas que se tornou um Estado sem território - finalmente provou sua obediência ao Papa, evitando assim uma ruptura com a Santa Sé após mais de 900 anos de uma sólida relação.

A influente entidade conservadora, cujas origens remontam às Cruzadas, está presente em mais de 120 países administrando hospitais e ambulatórios, com 12.500 membros e 100.000 funcionários e voluntários.

Em todo o mundo, suas representações locais começavam a se preocupar com uma diminuição nas doações em razão da polêmica, sobretudo com a proximidade da Jornada Mundial da Hanseníase, em 29 de janeiro - tradicionalmente, um dia importante para angariar fundos, segundo uma fonte interna.

O caso teve início em 6 de dezembro com a exoneração do alemão Albrecht von Boeselager, número dois da ordem, por ter tolerado a distribuição de preservativos a pessoas com risco de contrair o vírus da aids.

Oficialmente, Boeselager, grande chanceler da Ordem de Malta desde 2014 - o equivalente ao posto de ministro do Interior e das Relações Exteriores - foi destituído por "problemas graves".

A guerra de Burke

O preservativo continua a ser um tabu na Igreja católica, que rejeita qualquer método de contracepção, ainda que o papa Francisco tenha feito um apelo em novembro "a um comportamento responsável" diante da aids.

A recusa de Von Boeselager de apresentar sua demissão quando solicitada pelos seus superiores, entre eles o cardeal ultraconservador americano Raymond Burke - um dos adversários internos de Francisco -, é uma das origens da controvérsia.

Considerado um grande crítico do papa argentino, Burke foi afastado do Vaticano ao ser nomeado representante do papa na Ordem de Malta e, desde então, lidera a batalha contra o pontificado de Francisco.

O cardeal faz parte do grupo que pediu a Francisco que corrija seus "erros doutrinários", pedido ignorado até agora pelo pontífice. Segundo fontes da Ordem, o caso teria rendido, sobretudo, em razão da batalha da ala conservadora da Igreja contra o Papa.

Um mês de disputas

A batalha ganhou um novo capítulo quando o irmão de Albrecht von Boeslager foi nomeado para o conselho administrativo do Banco do Vaticano (IOR), em plena restruturação após uma série de escândalos.

"O timing foi extremamente significativo", segundo uma fonte consultada pela AFP.

Em 21 de dezembro, o Papa nomeou uma comissão de investigação de cinco membros encarregada de esclarecer a demissão do alemão. Em um comunicado, o Grão-Mestre se negou categoricamente a cooperar com a comissão de investigação.

Na ocasião, a entidade religiosa justificou sua posição, afirmando que deveria "proteger sua própria soberania" diante do que considerou uma ingerência do Vaticano. O papa ordenou que a comissão investigasse a recente saída do ex-chanceler da Ordem Albrecht Freiherr von Boeselager.

Apesar de a entidade ser considerada um Estado e contar com seu próprio passaporte e corpo diplomático, para a Santa Sé continua sendo vista como uma organização religiosa que deve obediência e respeito ao papa.

Nesse cenário, a Santa Sé chegou a emitir um comunicado apoiando sua comissão.

A Ordem de Malta foi fundada com o nome de Cavaleiros Hospitalários em Jerusalém, em 1048, como uma comunidade de instituições médicas encarregada de tratar doentes, antes de ser reconhecida pelo papa em 1113.