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Ao meio dia desta sexta-feira (15h em Brasília), a escadaria do Capitólio, sede do Legislativo norte-americano, será palco de um marco para a história dos Estados Unidos. Após meses de intensa campanha política e da surpreendente vitória de Donald Trump nas eleições de novembro passado, o polêmico bilionário assumirá o comando da maior potência do mundo, marcando o início de nova jornada para o país. O juramento do republicano diante do juiz John Roberts, chefe da Suprema Corte, foi precedido por tsunami de incertezas causado pela insatisfação dos eleitores com o establishment político. Apesar de os americanos terem assimilado que a posse de Trump não se trata de sonho ; ou pesadelo, para os numerosos opositores ;, nem todas as perguntas sobre o significado do governo para os Estados Unidos e para o mundo estão respondidas.
O presidente eleito chegou ontem a Washington acompanhado da mulher, Melania, para participar das atividades que marcam a transmissão de cargo. Trump deve permanecer na capital por quatro anos, com a promessa de rever boa parte das políticas implementadas por Barack Obama e ;tornar a América grande de novo;, como apregoava o slogan de campanha. A seu favor, o republicano detém maioria na Câmara dos Deputados e no Senado, mas o estilo provocador alimenta dúvidas sobre o futuro de sua gestão.
Enquanto trabalha para cumprir as promessas de campanha, ele terá a missão de equilibrar a plataforma que o levou à Casa Branca com os interesses de uma base que custou a se tornar aliada e com a perspectiva de eleições legislativas em menos de dois anos. A lista de desafios na agenda externa é imensa. Os posicionamentos do magnata sobre comércio e segurança são encarados como ameaça à globalização e ao multilateralismo. A retórica agressiva do presidente eleito surge como fator que pode dificultar as tratativas de Washington ao redor do globo. ;O mundo vai ser muito mais incerto e inseguro. Vão ser quatro anos de turbulência;, prevê Heni Ozi Cukier, cientista político e professor de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
Segurança mundial
Trump causou apreensão ao fazer duras críticas à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e ao ameaçar rever os termos do apoio militar a aliados. Cukier avalia que um movimento em direção ao isolacionismo seria o pior cenário para a dinâmica internacional, mas pondera que o republicano escolheu para o gabinete pessoas que compreendem o papel dos EUA no mundo. ;Trump gosta de falar sem saber o que diz. Isso, na política internacional, é muito complicado, pois cada palavra de um líder é observada e suscita reações por parte daqueles que têm de tomar decisões estratégicas;.
William Keylor, professor de história e de relações internacionais da Universidade de Boston, observa o combate a organizações terroristas no Oriente Médio como uma das prioridades da agenda internacional. O especialista aposta que Trump abordará o assunto ao estreitar o diálogo com os russos. ;Ele deve advogar por uma parceria entre Washington e Moscou para derrotar o Estado Islâmico na Síria e no Iraque, e seu conselheiro de Segurança Nacional, general Michael Flynn, apoia essa estratégia.; A sinalização de novo momento para as relações entre os antigos inimigos da Guerra Fria se soma às críticas do republicano às lideranças europeias. Para Keylor, o cenário pode resultar em uma ;completa mudança no equilíbrio de poder na Europa;.
Comércio exterior
Para Creomar de Souza, professor de relações internacionais da Universidade Católica de Brasília, uma mudança no desenho do mapa das relações americanas pode esbarrar em interesses da globalizada elite econômica do país. ;Trump pretende marcar uma posição, e a questão é saber até que ponto essa capacidade é real. Por ser um cara que nunca participou do jogo político, ninguém sabe como ele vai se portar, não se sabe até onde ele pode puxar a corda da autocracia;, avalia.
O republicano quer renegociar acordos comerciais e usar a proposta de reforma tributária para incentivar a permanência e a instalação de indústrias. Embora o plano tenha levantado temores sobre protecionismo, o economista David Bieri, do Instituto Politécnico e Universidade Estadual da Virgínia, diz que a introspecção americana não é novidade e sustenta que o momento pode levar a debates construtivos. ;A questão está nas incertezas sobre a implementação das políticas de Trump. Da forma como ele fala sobre o plano de impostos, isso pode ser visto como desleal pela Organização Mundial do Comércio.;
China e América Latina
Além da proposta de conceder incentivos fiscais a companhias nos EUA, Trump deve criar barreiras para produtos da China, cujo governo ele culpa pela fuga de empregos e pela prática desleal de preços. Creomar de Souza aponta possível guerra comercial entre Washington e Pequim como um dos piores cenários para o Brasil. ;Isso drenaria a força dos EUA no que diz respeito a futuros investimentos na América Latina e os recursos chineses que partem da região. O Brasil é um ator médio dentro desse jogo e, quanto menor se é nessa dinâmica, menor a capacidade de mobilidade.;
O estudioso da UCB observa que o Brasil não está no radar das mudanças que Trump deseja fazer e que a prioridade da plataforma de governo para a América Latina se concentra na questão migratória, salientada pela construção do muro na fronteira com o México. ;O Itamaraty e a Presidência da República precisam de algum tipo de aproximação com os EUA. Mas a gente não sabe qual será a abertura de Washington para isso e cabe aos conselheiros de Trump avaliar se vale a pena se engajar no Brasil;, diz.
Imigração
A política de Trump para a imigração encontra resistência nas relações com outros países e na dinâmica doméstica da política americana. Enquanto o presidente eleito pretende tonar mais rigorosos os critérios de entrada nos EUA; barrar indivíduos que possam representar uma ameaça à segurança; e revogar medidas tomadas por Obama para impedir a deportação de milhares de indocumentados, a questão esbarra no interesse de legisladores pelo voto latino.
Stephen W. Yale-Loehr, especialista em imigração pela Universidade Cornell, observa que parte das medidas depende do Congresso aprovar legislações e autorizar o gasto de bilhões de dólares. ;Embora os republicanos controlem o Congresso nos próximos dois anos, é sempre difícil para eles promulgar mudanças significativas de imigração, pois o tema é complexo e controverso.;
Economia
O plano para estimular a economia defendido pelo presidente eleito também pode enfrentar barreiras no Congresso. Embora haja consenso sobre a necessidade de reformar o sistema tributário, Trump disse ;não amar; a proposta dos republicanos. Além de dar incentivos fiscais a empresários, a ideia do magnata é oferecer créditos tributários para companhias envolvidas em projetos de infraestrutura. Bieri, no entanto, explica que o sistema americano é complexo e que a proposta esbarra em uma série de detalhes ; que vão desde a possibilidade de venda desses créditos à relação entre leis federais e estaduais. O economista, porém, ressalta que Donald Trump terá oportunidade de trabalhar por políticas que tragam benefícios concretos para o país se souber usar o poder com a maioria no Congresso.