Um debate toma conta de um café de Miami de manhã cedo por causa do fim da política de "pés secos, pés molhados". Muitos cubanos se beneficiaram dela, mas outros a repudiaram por considerá-la arbitrária e perigosa.
Na quinta-feira (12/1) à noite, o governo de Barack Obama anunciou o fim desta política introduzida em 1995, que permitia aos cubanos que pisavam em solo americano obter a residência. Os balseiros comemoravam ao chegar à Flórida. Os que vinham por terra só tinham que anunciar que eram cubanos ao cruzar a fronteira com o México.
Agora, isto acabou, embora continue em vigor a Lei de Ajuste Cubano de 1966, que facilita aos cubanos conseguir residência e emprego, entre outros benefícios.
Obama "está cuidando da vida das pessoas porque as pessoas estão se jogando no mar", avaliou Idania, atrás da máquina de café, sem querer dizer seu sobrenome. Uma cliente que não quis se identificar responde: "Que nada, essa decisão matou as pessoas, isto vai ser fatal".
Mas Ramón Saúl Sánchez, diretor do Movimento Democracia, uma ONG que defende legalmente os cubanos de Miami, considera que a medida era essencialmente injusta pela arbitrariedade com que concedia os benefícios migratórios.
"Somos a favor da Lei de Ajuste Cubano, mas a lei ;Pés secos, pés molhados; discriminava os cubanos baseados em se estavam em terra ou se eram recolhidos no mar", criticou.
"E ocorrem muitos casos de, por exemplo, dissidentes políticos que os recolheram em alto-mar e os repatriaram a Cuba", acrescentou.
Se a Lei de Ajuste Cubano for cumprida ao pé da letra, teoricamente estes opositores deveriam receber asilo, onde quer que tenham sido interceptados. Mas será preciso esperar para ver como será implementada a lei, diz Sánchez, porque "nestes tempos em que estão mandando todo mundo para trás, isso é muito suspeito".
Fugir não é a resposta
Ernesto Rodríguez, fotógrafo de 45 anos, é uma das milhares de pessoas beneficiadas desta política. Há sete anos, entrou por terra de Ciudad Juárez a El Paso, no Texas, e dali foi para Miami.
"O que mais me incomoda é que acontece com todos os que fizeram viagem um ou dois meses atrás e não chegaram aqui ainda", disse.
Por terra ou por mar, a travessia é perigosa. Desconhece-se a quantidade de balseiros que morreram afogados ou comidos por tubarões no estreito da Flórida, enquanto o trajeto pelo México representa o risco de sequestros e encontros pouco amigáveis com os cartéis locais da droga.
Mas isso para alguns - a eliminação desta política é a boa notícia.
"Fico feliz que por fim tenham suspendido esse decreto porque levou à morte de jovens demais", disse Laura Vianello, uma aposentada de 70 anos. "Os cubanos vão poder continuar vindo pela Lei de Ajuste Cubano, mas finalmente vemos que virão mais ordenadamente".
A Fundação Nacional Cubano-americana indicou que "nunca considerou a medida ;pés secos, pés molhados; uma opção efetiva, nem justa para a difícil situação causada pelas tentativas contínuas dos cubanos de entrar nos Estados Unidos".
"A solução para o problema não está em nenhum outro lugar além de dentro de Cuba", escreveu em um comunicado. "Fugir não é e nunca será a resposta".
Do outro lado do espectro político, o senador republicano pela Flórida Marco Rubio, de origem cubana, qualificou de "absurda" a decisão de Obama.
"De fato, a política fracassada de Obama para Cuba, combinada com um aumento da repressão do regime de (Raúl) Castro, levou ao aumento da migração cubana desde 2014", disse, em um comunicado.
Desde que Cuba e Estados Unidos retomaram seus laços diplomáticos em 2015, pequenas, mas contínuas ondas de cubanos, que previam o ponto final de seus benefícios migratórios, partiram rumo aos Estados Unidos por terra e por mar.
Segundo o Pew Hispanic Center, nos primeiros dez meses do ano fiscal de 2016, 46.635 cubanos entraram nos Estados Unidos, superando os 43.159 de todo o ano fiscal de 2015.
Esta cifra supera os 36.700 que emigraram na balsa chamada "crise dos balseiros" de 1994.
Hoje há 1,8 milhão de cubano-americanos nos Estados Unidos, a maioria radicada na Flórida.