[SAIBAMAIS]Ao assinar o acordo, Timochenko pediu perdão às vítimas. A senhora aceita esse pedido?
Bom, esta é uma pergunta importante, pois, obviamente, creio que todas as vítimas somos sensíveis a Timochenko no momento da assinatura do acordo de paz, ao dizer que perde perdão pelos crimes das Farc. No entanto, eu vejo mais a importância que isso tem para as Farc. Há um ano, Timochenko deu declarações dizendo que não se arrependia de nada. Que seguiria sendo um guerrilheiro, mesmo depois de assinar um acordo. Não se pode ignorar o fato de que, no intervalo de um ano, Timochenko foi capaz de expressar algo que parecia tão difícil. Tem existido um processo, dentro das Farc, de tomada de consciência. Não somente da necessidade de pedir desculpas, como formalidade, ante uma sociedade que espera por isso, mas também considerando o que isso significa, como reflexão, para eles. As Farc foram uma organização que sempre justificou o que fazia em nome da ideologia. Independentemente do fato de que Timochenko deu a declaração por oportunismo político ou porque é politicamente correto fazê-lo no momento, o que tenho consciência é de que, ao fazê-lo, isso implica em um questionamento em toda a estrutura das Farc. Os guerrilheiros de 14 ou 15 anos que ouviram essas palavras foram impactados. Para mim, isso é uma semente de reconciliação. É importante que aqueles que causaram tantos danos à Colômbia tenham a capacidade de se perguntarem por que tomaram essas decisões. Por que mataram colombianos? Por que sequestraram? Isso tem que ir muito além da cobertura ideológica. É a consciência pessoal. Eu, como pessoa, como ser humano, como me explico a mim mesmo ter feito sofrer a outro ser humano na proporção que ocorreu? Eu diria que essas declarações ajudam a nós todos e que as palavras curam a alma e os corações.
Quem é a Ingrid Betancourt depois de anos sequestrada?
Foi uma mudança drástica. Eu pude colocar em questionamento tudo o que eu era. O sequestro implica em um questionamento de identidade própria e das decisões que eu havia tomado. É como revisar toda a vida. A libertação foi como uma segunda oportunidade de me colocar em sintonia com o que eu necessitava ressuscitar e mudar. Uma das primeiras coisas que fiz foi incluir a família e os filhos em todas as minhas decisões. Foi uma mudança de vida. Entendi que faço parte de um grupo de seres humanos ligados pelo amor e, tudo o que eu faço implica em desviá-los da dor. É uma grande responsabilidade. Também pensei em como transformar a exposição midiática em algo positivo para a Colômbia. Acho que foi nesse sentido que me transformei. Quais serão as minhas prioridades e objetivos, e se incluem mudar o mundo para melhor...
De que modo as Farc deveriam indenizar as vítimas do conflito?
O acordo de paz prevê justiça para a coletividade, para a sociedade colombiana. Não se trata de uma justiça individual, para cada uma das vítimas. Para muito poucos de nós, será possível restabelecer a verdade sobre os fatos que nos fizeram sofrer. Há uma justiça que não chegou até nós, a justiça moral, da verdade, uma justiça social e patrimonial. Uma justiça que implica em termos perdido anos sem criar um patrimônio. Muitas vítimas das Farc perderam a casa e o trabalho... Apesar de que essa justiça não seja a que esperamos, do ponto de vista individual, o seu resultado é superior. O que se alcança é que não haja mais vítimas.
Uma comissão da verdade pode ajudar na cicatrização da sociedade colombiana?
A verdade é muito importante. Mas a verdade das Farc é apenas um componente da verdade das vítimas. Em uma guerra, estão as declarações do governo, da força pública, do Exército. Estão as declarações das testemunhas, dos demais cidadãos e das vítimas. A verdade se constrói com todas essas opções. É possível que uma comissão da verdade contemple a verdade das Farc e do governo. As vítimas têm que contar sua própria verdade. Isso vai ser muito importante no coletivo. A Colômbia necessita conhecer a versão das Farc e entender o que se passou, além de histórias pessoais, que seguem desconhecidas dos familiares. Nunca se soube o que se passou com sequestrados que desapareceram para sempre, o que houve com seus corpos e como morreram.
A senhora tem projetos políticos para a Colômbia? Se retornasse ao Congresso, estaria disposta a se sentar com os líderes das Farc?
Sim, eu creio que isso é algo parte da decisão que tomamos ao dizer que queremos o acordo de paz. Esperamos que as Farc se transformem numa força política e, como tal, façam parte de um Congresso democrático. E que, dentro desse Congresso, possamos discutir com eles (as Farc) as decisões para o futuro da Colômbia. Obviamente, se eu fizesse parte desse Congresso, teria condições de dialogar com eles, em termos concretos, sobre projetos de lei e programas para a Colômbia. Não tenho ambição de chegar ao Congresso colombiano de novo. Penso que, quando dissermos ;Sim; no referendo, estamos aceitando a possibilidade de nos encontrar pessoalmente com os membros das Farc. Pessoas que conhecemos durante o sequestro. Isso é algo com o que venho meditando. Estou disposta a me confrontar com essas emoções, para que os colombianos tenham a possibilidade de acabar com essa guerra. Minha ambição atual é que a Colômbia consiga construir a paz real, não simplesmente a assinatura de um acordo. Uma das maneiras para eu contribuir com isso é fora da arena política, fora de um exercício político e eleitoral sujeito a controvérsias e a ceticismo. Por fora da arena política, posso me expressar sem interesses ou ambições pessoais. Isso ajuda para que os colombianos tenham a chance de refletir sobre suas próprias emoções.
Nos seis anos que esteve no cativeiro, qual foi o momento mais terrível?
(Silêncio) É uma pergunta difícil de ser respondida, para mim. Eu sinto que... (silêncio) São tantos e numerosos os grandes momentos de dor. Quando penso em um, penso em outro, e a dor é tão envolvente que não posso priorizá-la ou hierarquizá-la. A selva foi um inferno. A única coisa que existe é uma imensa gratidão por eu ter saído desse inferno.