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A tumultuada história das convenções partidárias nos EUA

Em 1912, disse Goodwin em entrevista à AFP, raiva e tensão transformaram o debate republicano em um lamentável e até mesmo violento espetáculo


Washington, Estados Unidos
- Alguns temem que o caos nas ruas vá ofuscar a coroação de Donald Trump na Convenção Nacional Republicana esta semana, mas, como lembra a renomada historiadora Doris Kearns Goodwin, não seria a primeira vez.

Dos embates entre os candidatos republicanos em 1912 a violentos protestos do lado de fora da Convenção Nacional Demorata em 1968, o drama é, muitas vezes, um fator presente quando os dois principais partidos americanos se reúnem para consagrar seus indicados à corrida pela Casa Branca.

Em 1912, disse Goodwin em entrevista à AFP, raiva e tensão transformaram o debate republicano em um lamentável e até mesmo violento espetáculo.

Aquela reunião em Chicago há 104 anos foi a primeira vez que um grupo de estados americanos usou o sistema de "primárias", com os delegados deixando de ser escolhidos pela cúpula partidária.

"Tinha polícia no hall da convenção", contou Goodwin, premiada autora de livros sobre os presidentes Abraham Lincoln e Lyndon Johnson.


"Os dois [candidatos daquele ano] estavam com tanta raiva um do outro que o [jornal] The New York Times escreveu um editorial censurando esse novo sistema de deixar o povo escolher, e não os líderes dos partidos", relatou.

"Temos de parar isso", afirmou Goodwin, parafraseando o NYT.

"É constrangedor para os estrangeiros ver o que está acontecendo aqui. Isso... não é um sistema racional", completou, ainda citando o jornal.

Na época, as convenções políticas americanas eram eventos imprevisíveis que podiam degenerar em ferozes batalhas entre facções partidárias rivais que procuravam convencer - e até comprar - os votos de delegados, os quais, em grande parte, não eram escolhidos pelo eleitorado.

Impasses eram comuns. Em 1924, por exemplo, foram necessárias 103 rodadas de votação para a Convenção Nacional Democrata finalmente anunciar o vencedor.

Na década de 1960, as bases do partido começaram a pedir para ter mais voz nos processo.

Em 1968, protestos de democratas eram violentamente reprimidos pela Polícia de Chicago, com cassetetes e bombas de efeito moral do lado de fora do prédio da convenção. Naquele ano, manifestantes denunciaram a indicação de Hubert Humphrey, o qual apoiava a guerra do Vietnã e sequer tinha participado das primárias.

Depois dos anos 1960, com o sistema de primárias instalado, "as convenções importaram menos nos últimos anos, quando já se sabe que a nomeação foi selada por um dos candidatos", afirmou Goodwin.

"Realmente é muito mais uma propaganda de campanha para o partido e para a unidade do partido, e você tem os balões e todos esses discursos, e todo mundo está tentando ficar bem como todo mundo", explicou.

Discursos poderosos

Este ano, a expectativa é de que haja uma dose extra de drama.

Hoje, os delegados republicanos inauguraram sua convenção de quatro dias (de 18 a 21) em Cleveland, no estado de Ohio, onde a candidatura de Donald Trump para a eleição de 8 de novembro deve ser oficializada.

Dentro e fora da convenção, manifestantes contrários ao magnata podem atrapalhar o processo - ainda que nenhum peso-pesado do GOP (sigla do Partido Republicano) tenha sinalizado que vá desafiar Trump sob os holofotes, preferindo não comparecer ao evento.

"É geralmente incomum, na história recente, ter um partido tão dividido quanto os republicanos estão este ano", disse Goodwin.

O que Trump pode conseguir dessa convenção? "Mostrar ao país e mostrar ao mundo que, agora que ele está em uma posição em que realmente será indicado, ele pode conter seu temperamento", respondeu.

O discurso de nomeação, que é feito, tradicionalmente, na noite final da convenção, será um grande momento para Trump.

Em 1968, Richard Nixon conseguiu, até certo ponto, "criar uma imagem do novo Nixon, de que ele seria mais moderato, mais controlado, menos raivoso", contou Goodwin. Nixon ganhou a eleição três meses depois.

O vídeo biográfico divulgado na nomeação democrata de Bill Clinton em 1992, "The Man From Hope", teve um impacto vital na imagem do candidato.

"Mas os dois mais importantes discursos de convenção na nossa história, provavelmente pelo menos no século XX, não foram de candidatos à presidência", disse ela.

O discurso do futuro presidente Franklin Delano Roosevelt, em 1924, foi "fabuloso" e ainda mais notável porque foi a primeira vez que a maioria dos americanos viu FDR parcialmente paralisado por causa da pólio.

Em 2004, o jovem e até então pouco conhecido senador por Illinois Barack Obama ganhou notoriedade imediata com seu discurso de abertura na convenção de posse de John Kerry.

"Então, coisas podem acontecer nessas convenções", insistiu Goodwin, "mesmo que não seja o candidato atual".