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Ação de lobos solitários se tornará forma de ataque cada vez mais comum

Irmão do homem que matou 84 pessoas fala ao Correio

O Estado Islâmico (EI) reivindicou ontem a autoria do mais recente atentado contra civis na França. Em uma nota, divulgada pela agência Amaq, ligada ao grupo, os jihadistas afirmaram que o tunisino Mohamed Laouaiej-Bouhlel jogou o caminhão que dirigia contra uma multidão em Nice, matando 84 pessoas, porque era um de seus ;soldados;. Embora as autoridades francesas ainda busquem confirmar o vínculo do motorista com os extremistas (leia mais abaixo), a natureza da ação, realizada sem explosivos ou disparos de armas de fogo, condiz com a nova estratégia adotada por organizações terroristas.

Nos últimos anos, líderes da Al-Qaeda e do EI estimularam o uso de ;armas alternativas; para alcançar o maior estrago possível. Em uma mensagem divulgada em janeiro do ano passado, o porta-voz do EI, Abu Muhammad Al-Adnani, ordenou que simpatizantes apelassem para ;bomba, bala, faca, carro, pedra ou mesmo chutes e socos; para propagar sua mensagem. Ambos os grupos defenderam o atropelamento de civis.


Mensagens desse tipo acabam por ganhar a internet e podem estimular ataques efetuados por pessoas que nunca chegaram a ter contato direto com os grupos radicais. ;A quase universal natureza das mídias sociais facilita que indivíduos sejam expostos e inspirados por ideais de organizações extremistas ou mesmo por ataques passados, sem nunca formar laços com nenhum grupo específico;, comenta a cientista política Jennifer Kavanagh, pesquisadora da Rand Corporation, organização que desenvolve pesquisas e análises para o Departamento de Defesa dos Estados Unidos.

;Atentados de lobos solitários, que não têm comprometimento com nenhum grupo e muitas vezes se autorradicalizam, são perpetuados por indivíduos que não seguem um perfil específico e usam os meios disponíveis para atacar, como as panelas de pressão, no caso do atentado da Maratona de Boston (em 2013);, acrescenta o analista de assuntos estratégicos André Luis Woloszyn, autor do livro Guerra nas sombras ; Os bastidores dos serviços secretos internacionais.

Essa estratégia torna a prevenção ao terror algo muito mais difícil, o que explicaria a afirmação recente do primeiro-ministro da França, Manuel Valls, de que o país precisa ;aprender a viver com o terrorismo;. Apesar de concordar ser ;quase impossível detectar; um ataque organizado por um extremista solitário, Woloszyn destaca que Nice falhou por ;não reforçar a segurança em um evento nacional; como o de quinta-feira, quando os franceses comemoravam a Queda da Bastilha. ;A França tem um histórico, parece ter falhado, abaixando a guarda;, avalia.

O especialista em relações internacionais Mohammed Hadjab, francês radicado no Brasil, reforça a ausência de padrão entre os indivíduos radicalizados, mas destaca que, na França, ;a maioria dos terroristas desta geração não tem formação religiosa, vem de classes sociais mais baixas, teve passagem pela prisão e, geralmente, não tem referencial paterno;. Ele destaca a dificuldade de inclusão social de migrantes e filhos de migrantes como uma das principais razões que levam os jovens a se revoltarem contra o país. ;São rejeitados e há uma sensação de diferenciação constante;, conta.

Em comunicado divulgado pouco depois do massacre de Nice, especialistas do Soufan Group, organização voltada à estratégia de segurança, reforçaram a mensagem do ministro Valls e alertaram que o ataques de lobos solitários, com armas não convencionais, são uma ameaça de difícil prevenção. ;A desconfortável realidade é que poucas leis e medidas de contraterrorismo podem endereçar o armamentismo da vida diária por causa do incessante chamado do terror.;

Principal alvo


Desde janeiro do ano passado, a França foi alvo de quatro grandes atentados, incluindo o atropelamento em massa de Nice. Os esforços de inteligência e segurança do país foram reforçados, mas casos como o da última semana ainda ficam fora do radar. Os motivos que colocam o país no topo da lista de jihadistas são muitos, diz Jennifer Kavanagh.

;A França é frequentemente vista como a capital do liberalismo e secularismo ocidental, de tradições e valores que vão de encontro à ideologia e à narrativa promovida pelo EI;, destaca. O papel do Exército francês, com intervenções na Líbia, na Síria e no Mali, e a indicação do país como inimigo por vários líderes terroristas são outros incentivos, acrescenta a pesquisadora da Rand Corporation (leia mais em Duas perguntas para).

O país é, ainda, a principal origem de jihadistas europeus. Segundo estimativa da Europol, até 5 mil cidadãos do continente podem ter se juntado à jihad, cerca de 1,4 mil deles seriam franceses. ;A França pode ser o principal alvo;, diz Kavanagh, mas ;grupos como EI e Al-Qaeda veem valor idêntico em qualquer ataque em países ocidentais;, alerta.

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