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Obama pede unidade aos EUA em cerimônia para policiais mortos em Dallas

Acompanhado pela primeira-dama, Michelle, apoiou-se fortemente nas escrituras sagradas para se dirigir a um país sacudido por mais um caso de violência com armas de fogo e dividido por questões raciais e políticas



De Charleston a Orlando ao mais recente ataque em Dallas, na semana passada, praticado por um homem negro que queria matar brancos em retribuição à violência policial, os EUA foram marcados por uma sequência de chacinas motivadas pelo ódio.

Ao que parece, a cada semana surge um vídeo chocante de um policial atirando e matando um negro americano, imagens que rapidamente se tornam virais e reacendem questões duras sobre raça e policiamento.

O discurso de Obama incluiu a admissão franca de que seus próprios esforços para combater a violência, as armas e o racismo têm falhado.

"Eu tenho discursado em memoriais demais no transcurso desta Presidência", afirmou. "Eu tenho visto como o espírito de unidade surgido da tragédia consegue, gradualmente, se dissipar".

"Tenho visto como as palavras podem ser inadequadas em produzir mudança duradoura. Tenho visto como minhas próprias palavras têm sido inadequadas", acrescentou.

"Nós vemos preconceito"

Oito anos atrás, a destreza retórica de Obama o transformou no primeiro presidente negro dos Estados Unidos e despertou a esperança de que o país pudesse superar suas profundas divisões sociais.

A cerimônia desta terça-feira mostrou um presidente cansado, cujas esperanças por mudança foram confrontadas.

A saída, segundo Obama - sugerindo que o trabalho continuará além de sua Presidência - é que os americanos abram seus corações uns aos outros.

Os afro-americanos que protestam contra a violência da polícia - afirmou Obama - precisam compreender como pode ser difícil o trabalho de um policial.

"Vocês sabem como algumas das comunidades onde estes policiais trabalham podem ser perigosas. E fazem de conta que não há contexto"?!

Mas Obama também desafiou a força policial, majoritariamente formada por brancos, a aos americanos brancos em geral a admitir que, embora a construção de racismo legalizado tenha acabado, o preconceito permanece.

"Todos nós vimos esta intolerância em algum momento em nossas próprias vidas", afirmou. "Às vezes ouvimos isto em nossas próprias casas. Se formos honestos, talvez tenhamos ouvido o preconceito em nossas cabeças e o sentido em nossos corações".

"Nós inundamos as comunidades com armas"

O apelo por unidade foi reforçado pelo ex-presidente republicano George W. Bush.

"Com muita frequência nós julgamos outros grupos com base em seus piores exemplos, enquanto julgamos a nós mesmos por nossas melhores intenções", disse Bush, residente em Dallas.

Obama, um democrata, fez um apelo para que os colegas republicanos de Bush percebam o preço por sua oposição ao controle de armas e aos gastos em saúde mental e tratamento contra as drogas.

"Nós permitimos que a pobreza cresça de forma que comunidades inteiras não ofereçam perspectiva de emprego digno", disse Obama, em alusão a uma sequências de causas para a violência.

"Nós nos recusamos a financiar o tratamento contra a dependência às drogas e programas de saúde mental. Nós inundamos as comunidades com tantas armas que é mais fácil para um adolescente comprar uma [pistola da marca] Glock do que ter nas mãos um computador ou, inclusive, um livro", acrescentou.

Mais cedo, o cirurgião negro Brian Williams, que atendeu vários policiais feridos, deu uma declaração comovente sobre as feridas que fazem o país sangrar.

Ele contou ter comprado sorvete a policiais para que sua filha visse como ele interage normalmente com a polícia, e não crescesse com os mesmos medos que ele tem.

Dirigindo-se aos policiais, declarou: "eu os apoio, eu os defenderei e eu me importarei com vocês". "Isto não significa que eu não tema vocês".

EUA em azul e preto

Na semana passada, disparos efetuados pela polícia mataram dois homens negros - Alton Sterling, na Louisiana, e Philando Castile, em Minnesota - gerando uma onda nacional de ódio, com milhares de manifestantes nas ruas em protesto de costa a costa do país.

Aparentemente, estas mortes também conduziram ao ataque mortal em Dallas, executado por um veterano da guerra no Afeganistão, Micah Johnson, um jovem negro, em protesto contra a violência da polícia.

Na quinta-feira, Johnson, de 25 anos, usou um fuzil para matar os cinco policiais e ferir outros nove. Dois civis também ficaram feridos no ataque.

Antes de ser morto, ele disse aos negociadores que queria matar policiais brancos em vingança pela morte de negros.

O memorial desta terça-feira prestou uma homenagem comovente aos "pacificadores de azul" mortos no ataque - Brent Thompson, Patrick Zamarripa, Michael Krol, Lorne Ahrens e Michael Smith.

Cada um foi representado por uma cadeira vazia no auditório e cada cadeira estava adornada com uma bandeira americana dobrada e um quepe de policial.