Berlim, Alemanha - A Turquia reagiu com revolta à adoção nesta quinta-feira no Bundestag alemão de uma resolução que reconhece o genocídio armênio, chamando para consultas seu embaixador em Berlim e ameaçando responder em plena crise migratória.
Esta votação complica as relações, já tensas, entre Ancara e Berlim, envolvendo a aplicação de um polêmico acordo com a União Europeia, impulsionado pela Alemanha, que contribuiu para reduzir drasticamente o fluxo de migrantes à Europa.
A Turquia ameaça não aplicar o acordo se não conseguir a isenção dos vistos para os cidadãos turcos que quiserem viajar ao espaço europeu Schengen.
"Esta resolução afetará seriamente as relações turco-alemãs", advertiu o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, diante da imprensa no Quênia, onde se encontra em visita, acrescentando que, quando voltar ao seu país, a Turquia adotará uma decisão sobre o procedimento que será tomado em resposta à votação dos deputados alemães.
O primeiro ministro turco, Binali Yuldririm, anunciou que havia chamado "para consultas o embaixador da Turquia na Alemanha", e o porta-voz do governo classificou de "erro histórico" este voto do Bundestag, a câmara baixa do Parlamento.
Por sua vez, a chanceler alemã, Angela Merkel, destacou pouco depois da votação que seu governo queria favorecer "o diálogo entre a Armênia e a Turquia" e que as três milhões de pessoas de origem turca que vivem na Alemanha "são e continuarão sendo uma parte do país".
Esta resolução, no entanto, não envolve o governo de Merkel.
Ameaças de morte
O Bundestag adotou nesta quinta-feira a resolução intitulada "Lembrança e recordação do genocídio dos armênios e de outras minorias cristãs há 101 anos" quase por unanimidade dos deputados presentes (um voto contra e uma abstenção).
Logo depois, a Armênia elogiou a "contribuição notável da Alemanha no reconhecimento e na condenação internacional do genocídio armênio".
No início dos debates, Norbert Lammert, presidente do Bundestag, destacou que a assembleia não é um tribunal nem uma comissão de historiadores, mas servia para que os deputados alemãs assumissem suas responsabilidades a respeito da resolução.
Lambert lamentou as "muitas ameaças, inclusive de morte", contra alguns deputados, sobretudo os de origem turca. Estas ameaças são "inaceitáveis" e "não nos deixaremos intimidar", disse.
Muitos deputados destacaram que a resolução não era algo contra as atuais autoridades turcas, e sim contra o governo da época, responsável pelas mortes em 1915.
A resolução "deplora os atos cometidos pelo governo dos Jovens Turcos da época, que levaram ao extermínio quase total dos armênios" e lamenta "o papel deplorável do Reich alemão que, como principal aliado militar do Império Otomano (...), não atuou para acabar com este crime contra a humanidade".
Angela Merkel, por sua vez, não participou da votação por razões de agenda, mas apoiou a resolução na terça-feira durante um ensaio da votação, dentro do grupo parlamentar conservador.
O texto gerou preocupação inclusive dentro do governo alemão. O ministro das Relações Exteriores, Frank-Walter Steinmeier, expressou nesta quinta-feira o desejo de que a Turquia não reaja de maneira excessiva à ação do Bundestag.
"Esta é uma decisão com toda independência do Bundestag alemão. Como era esperado, a Turquia reagiu a respeito e espero que seja possível nos próximos dias e semanas evitar que não ocorram reações excessivas", afirmou, segundo um comunicado, durante uma viagem à Argentina.
O chefe do grupo parlamentar da CDU, Volker Kauder, disse que não se tratava de "sentar (a Turquia) no banco dos réus", mas favorecer a reconciliação "chamando as coisas por seu nome", em declarações nesta quinta-feira à televisão pública ARD.
1,5 milhão de mortos
A resolução do Bundestag é uma nova etapa no reconhecimento oficial da Alemanha do genocídio, depois que no ano passado o presidente alemão, Joachim Gauck, utilizou, pela primeira vez, o termo "genocídio" para classificar os massacres cometidos contra os armênios em 1915.
Os armênios consideram que 1,5 milhão de pessoas foram assassinadas de maneira sistemática ao final do Império otomano.
Muitos historiadores e mais de 20 países, entre eles França, Itália e Rússia, reconhecem o genocídio dos armênios.
A Turquia afirma que o que aconteceu foi uma guerra civil, ao que se adicionou a fome, na qual morreram de 300.000 a 500.000 armênios e outros tantos turcos quando as forças otomanas e a Rússia disputavam o controle de Anatolia.