Os deputados alemães aprovaram nesta quinta-feira (2/6) por ampla maioria uma resolução que reconhece o massacre de armênios pelas forças otomanas na I Guerra Mundial como um genocídio, um texto criticado pela Turquia, aliada chave sobretudo para a questão da crise migratória na Europa.
O texto, com o título "Lembrança e recordação do genocídio dos armênios e de outras minorias cristãs há 101 anos", foi aprovado por quase todos os deputados presentes no Bundestag, a Câmara Baixa do Parlamento alemão. Apenas um deputado votou contra e outro optou pela abstenção.
No início dos debates, Norbert Lammert, presidente do Bundestag, destacou que a assembleia não é um tribunal nem uma comissão de historiadores, mas servia para que os deputados alemãs assumissem suas responsabilidades a respeito da resolução. Lambert lamentou as "muitas ameaças, inclusive de morte", contra alguns deputados, sobretudo os de origem turca. Estas ameaças são "inaceitáveis" e "não nos deixaremos intimidar", disse.
Muitos deputados destacaram que a resolução não era algo contra as atuais autoridades turcas, e sim contra o governo da época, responsável pelas mortes em 1915. Logo após a votação, o ministro das Relações Exteriores da Armênia, Edward Nalbandian, elogiou em um comunicado a "contribuição notável da Alemanha ao reconhecimento e condenação internacional do genocídio armênio, assim como à luta universal para evitar genocídios e crimes contra a humanidade".
A resolução, no entanto, não envolve o governo da chanceler Angela Merkel. A Turquia convocou para consultas o seu embaixador na Alemanha, anunciou o primeiro-ministro Binali Yildirim. A adoção da resolução "vai afetar seriamente as relações entre Turquia e Alemanha", advertiu o presidente turco Recep Tayyip Erdogan durante uma visita ao Quênia. Ele disse que em seu retorno à Turquia vai tomar uma decisão sobre o "procedimento" a adotar como resposta ao voto dos deputados alemães. A Turquia também afirmou que vai convocar o representante diplomático alemão em Ancara.
O governo turco chamou de "nula e sem efeito", além de "erro histórico", a votação do Parlamento alemão. "O reconhecimento pelo Parlamento alemão de alegações ;distorcidas e infundadas; como ;genocídio; é um erro histórico", escreveu o vice-premier e porta-voz do governo, Numan Kurtulmus, no Twitter. Também chamou a resolução de "nula e sem efeito"
Kurtulmus afirmou ainda que a adoção do texto "não é digna das relações de amizade" estabelecidas entre os dois países. Ele destacou que a Turquia vai responder da maneira adequada, sem revelar detalhes. Pouco antes da votação, o primeiro-ministro turco, Binali Yildirim, advertiu que a iniciativa do Bundestag representava um teste para a amizade entre Berlim e Ancara.
No texto, apresentado pelas bancadas parlamentares da maioria ; os conservadores da CDU/CSU e o SPD ; e pelos Verdes (oposição), o Bundestag "deplora os atos cometidos pelo governo dos Jovens Turcos da época, que levaram ao extermínio quase total dos armênios". O Bundestag também lamenta "o papel deplorável do Reich alemão que, como principal aliado militar do Império Otomano (...), não atuou para acabar com este crime contra a humanidade".
A adoção do texto vai complicar ainda mais as relações, já tensas, entre Ancara e Berlim, por conta da aplicação de um polêmico acordo com a União Europeia, estimulado por Berlim, que contribuiu para reduzir drasticamente o fluxo de migrantes para a Europa. O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, ameaça não aplicar o acordo se não conseguir a isenção de vistos para os cidadãos turcos que desejam viajar ao espaço europeu de Schengen.
1,5 milhão de mortos
O presidente armênio, Serge Sarkissian, advertiu que não seria justo não chamar de genocídio o massacre de armênios "apenas porque irrita o chefe de Estado de outro país", em referência ao presidente turco. A resolução do Bundestag é uma nova etapa no reconhecimento oficial da Alemanha do genocídio, depois que no ano passado o presidente alemão, Joachim Gauck, utilizou, pela primeira vez, o termo "genocídio" para classificar os massacres cometidos contra os armênios em 1915.
Os armênios consideram que 1,5 milhão de pessoas foram assassinadas de maneira sistemática ao final do Império otomano. Muitos historiadores e mais de 20 países, entre eles França, Itália e Rússia, reconhecem o genocídio dos armênios. A Turquia afirma que o que aconteceu foi uma guerra civil, ao que se adicionou a fome, na qual morreram de 300 mil a 500 mil armênios e outros tantos turcos quando as forças otomanas e a Rússia disputavam o controle de Anatolia.