Washington, Estados Unidos - Uma pitada de conservadorismo, uma dose generosa de populismo e uma boa porção de guinadas de 180 graus: o programa econômico de Donald Trump escapa a qualquer classificação e flutua em função das expectativas que se supõe que os cidadãos tenham.
"A doutrina Trump é muito difícil de definir, porque percebe as propostas concretas como fraquezas que podem ser exploradas por seus adversários", declara à AFP Alan Cole, especialista do centro de reflexão independente Tax Foundation.
Sua versatilidade econômica - sua flexibilidade, diriam seus partidários - acaba de manifestar-se mais uma vez em relação ao tema do salário mínimo federal, congelado em seu nível atual (7,25 dólares a hora) desde 2009.
No fim de 2015, o virtual candidato do Partido Republicano à Casa Branca descartou qualquer aumento, afirmando que os salários já eram "muito altos" em relação à concorrência internacional.
Na semana passada, Trump voltou atrás e disse que era a favor de "um aumento de certa amplitude", mas disse que deixaria a decisão nas mãos dos estados.
- Idas e vindas -
Em matéria de impostos, o candidato Trump defende há muito tempo uma grande redução centrada na classe média - que isentaria 75 milhões de famílias americanas - mas que também beneficiaria todos os níveis de renda.
O empresário aproveitou, porém, uma das inumeráveis entrevistas televisivas que deu para esclarecer suas ideias sobre o assunto: "acho, sinceramente, que (os impostos) aos ricos serão mais altos".
O magnata imobiliário também recuou em outras áreas. Depois de ter sugerido que os Estados Unidos poderiam "renegociar" sua dívida pública no futuro em caso de crise, na segunda-feira (9), ele declarou: "as pessoas dizem que eu quero declarar o default sobre a dívida, e essas pessoas estão loucas".
"Sua abordagem das questões econômicas é mercantilista. Seu plano muda em função da ideia que faz do que as pessoas querem ouvir", explicou à AFP Stan Veuger, do "think tank" conservador American Enterprise Institute (AEI).
Donald Trump se defende, alegando a necessidade de ser flexível.
"Publiquei um projeto (...), mas não tenho nenhuma ilusão. Não acho que será um plano final", assegurou recentemente.
- Contra a corrente -
Mesmo nos temas, nos quais mantém sua posição, Trump não tem dúvida em nadar contra a corrente do Partido Republicano, do qual já é, praticamente, o candidato presidencial em novembro.
Enquanto os republicanos defendem tradicionalmente o livre-comércio, Trump quer erguer barreiras tarifárias à China e se opõe aos "terríveis" tratados comerciais negociados pelos Estados Unidos - uma posição que o aproxima da esquerda do Partido Democrata.
"Se você é apresentador de televisão, o único jeito que tem para aumentar sua audiência é conquistar o público de seus rivais. É exatamente como (Trump) vê o comércio internacional", diz Veuger.
O magnata quer manter o seguro público de doenças e as aposentadorias, além de aumentos os gastos com infraestrutura, sob o risco de aumentar o déficit. Os dirigentes de seu partido procuram apenas reduzir o papel do Estado e ter um orçamento equilibrado.
"O que Trump tem feito é rabiscar alguns dos principais elementos da doutrina econômica conservadora", avalia William Galston, ex-assessor do presidente Bill Clinton.
Ao manter posições vagas, Trump deixa brechas a seus detratores, mas também priva seu futuro rival democrata de um ângulo de ataque.
Como os democratas se organizarão para lutar contra esse camaleão? Segundo Galston, um debate profundo seria perda de tempo.
"Se as palavras não valem muito, tudo o que se pode fazer é permitir que os americanos decidam se querem essa forma de instabilidade de seu futuro presidente", completou.