Paris, França - Os "Panama Papers" fizeram sua primeira vítima de peso: o premiê da Islândia, Sigmundur David Gunnlaugsson, renunciará depois do escândalo gerado pelo vazamento desses documentos e que levaram milhares de pessoas às ruas para protestar.
Esta é a primeira renúncia importante decorrente das revelações feitas pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês). No último domingo, seus membros trouxeram a público as práticas financeiras e fiscais pouco transparentes de personalidades, chefes de Estado, empresários, atletas, bancos, entre outros - todos clientes do escritório de advocacia panamenho Mossack Fonseca, especializado em empresas offshore.
"O primeiro-ministro disse em uma reunião de seu grupo parlamentar que vai renunciar", declarou à televisão o vice-presidente do Partido e ministro da Agricultura, Sigurdur Ingi Johannsson, que assumirá o governo.
Gunnlaugsson, de 41 anos, estava sob pressão depois que uma grande investigação jornalística revelou a existência de uma empresa de fachada criada por sua esposa, Anna Sigurlaug Palsdottir, nas Ilhas Virgens britânicas em 2007. Lá, milhões de dólares foram depositados.
Mais de 24.000 pessoas, em um país de 320.000 habitantes, assinaram uma petição on-line para pedir sua renúncia, e milhares protestaram diante do Parlamento com o mesmo objetivo.
Esta é, até agora, a consequência mais clara da investigação de mais de uma centena de veículos de comunicação, que revelou, no domingo, que 140 autoridades políticas ou personalidades de primeiro plano em escala mundial colocaram dinheiro em paraísos fiscais.
Reagindo às revelações, o presidente americano, Barack Obama, declarou nesta terça-feira que as revelações mostram que a evasão fiscal é "um grande problema mundial".
"A evasão de impostos é um grande problema mundial", declarou Obama após a divulgação dos chamados "Panama Papers".
"Não acontece somente em outros países, porque tem gente nos Estados Unidos que também se beneficia disso", acrescentou.
"Na maior parte dos casos é legal, esse é o problema", lamentou.
Nos documentos revelados pela imprensa, aparecem nomes de parentes de vários chefes de Estado, como o russo Vladimir Putin, o chinês Xi Jinping, o argentino Mauricio Macri, o mexicano Enrique Peña Nieto, ou o rei do Marrocos, Mohamed VI. Também há nomes de atletas famosos, como o argentino Lionel Messi.
O primeiro-ministro britânico, David Cameron, também estava nesta terça-feira sob pressão, convocado a prestar contas sobre sua fortuna familiar. Seu pai, Ian, também é citado nos "Panama Papers".
O Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos tem em mãos documentos, indicando que Ian Cameron dirigia um fundo de investimentos nas Bahamas chamado Blairmore Holding.
Os lucros deste fundo teriam burlado o fisco britânico durante 30 anos, graças a um complicado esquema criado junto com o escritório panamenho Mossack Fonseca, epicentro da trama revelada.
Nesta terça-feira, o jornal Le Monde revelou que pessoas próximas a Marine Le Pen, presidente do partido francês de extrema-direita Frente Nacional (FN), criaram um complexo emaranhado de empresas em paraísos fiscais.
Segundo o jornal, o sistema funcionava com empresas em Hong Kong, Cingapura, Ilhas Virgens britânicas e Panamá e serviu para "tirar dinheiro da França através de empresas de fachada com o objetivo de escapar dos serviços franceses contra lavagem de dinheiro".
Le Monde também afirma que o banco francês Société Générale está entre as cinco instituições financeiras que criaram o maior número de sociedades em paraísos fiscais por meio do escritório Mossack Fonseca.
Entre elas, estão o britânico HSBC e os suíços UBC e Crédit Suisse.
Não é ilegal
As sociedades "offshore" não são ilegais, mas em casos de corrupção podem servir para dissimular no exterior lucros adquiridos de maneira ilegal.
Nesta terça, o presidente do Crédit Suisse, Tidjane Thiam, afirmou que seu banco não aprova as contas em paraísos fiscais que, às vezes, facilitam a evasão de capitais.
Em declarações à agência Bloomberg News, falando de Hong Kong, Thiam disse que o banco aprova apenas as operações legítimas.
"Aceitamos estruturas ;offshore; somente se tiverem objetivos legítimos", garantiu.
Hoje, o jornal holandês Trouw noticiou que centenas de holandeses fundaram sociedades em paraísos fiscais, por intermédio do Panamá. Entre eles, menciona o ex-jogador de futebol Clarence Seedorf, um ex-diretor da área fiscal, um conhecido empresário e um suposto traficante de armas.
Segundo este jornal, John Bredenkamp, um sul-africano naturalizado holandês, possuiria "ao menos 13 empresas" administradas por meio do Mossack Fonseca. Dessas, "ao menos cinco apareceram em listas internacionais de sanções por seu suposto envolvimento na venda de armas ao presidente do Zimbábue (Robert Mugabe)", completa o Trouw.
Enquanto isso, os britânicos BBC e The Guardian afirmam que uma empresa norte-coreana utilizada para financiar o programa nuclear de Pyongyang figura entre os clientes do Mossack Fonseca.
Após as revelações da operação "Panama Papers", vários países abriram investigações sobre lavagem de dinheiro. A maioria das pessoas envolvidas disse ter respeitado a lei, negando as acusações.
Na segunda-feira, o presidente ucraniano, Petro Poroshenko, o argentino Mauricio Macri e a família do primeiro-ministro paquistanês, Nawaz Sharif, direta ou indiretamente atingidos pelos "Panama Papers", divulgaram declarações, garantindo ter respeitado a lei.