Jornal Correio Braziliense

Mundo

Anistia Internacional acusa Turquia de forçar retorno de refugiados sírios

Autor da denúncia adverte sobre a violação de princípios básicos do direito internacional e pede mais pressão sobre Ancara


Apesar do acordo estabelecido com a União Europeia (UE) para receber os solicitantes de asilo que desembarcarem na Grécia, a Turquia estaria devolvendo os refugiados sírios para a zona de guerra. A denúncia foi feita ontem, pela Anistia Internacional (AI), após pesquisadores da organização não governamental terem colhido múltiplos testemunhos sobre expulsões em larga escala da província de Hatay, no extremo sul. O estudo realizado pela AI revela que grupos de até 100 homens, mulheres e crianças foram forçados a retornar para o país natal, conflagrado em uma guerra civil que deixou mais de 250 mil mortos. A prática, segundo a ONG, é registrada quase que diariamente, desde meados de janeiro, e viola os princípios do direito internacional.

John Dalhuisen, diretor da Anistia Internacional para Europa e Ásia Central e autor do estudo, explicou ao Correio que sua equipe documentou vários casos em que policiais turcos detiveram sírios nas províncias sulistas, ao longo da fronteira. ;Os refugiados eram abordados nas ruas. Quando não tinham documentos de registro, acabavam enviados ao centros de detenção. Soubemos de grupos de 15 a 30 pessoas, dentro de seis ou sete ônibus, que foram trasladados a campos de refugiados do lado sírio da fronteira;, relatou, por telefone. ;Na região, trabalhadores humanitários contaram que essa prática, um segredo rompido, ocorria há várias semanas ou mesmo meses. Temos informações críveis de que alguns milhares de sírios foram alvos de devolução nas últimas seis a oito semanas.;

Dalhuisen denuncia uma enorme violação dos princípios mais básicos dos direitos dos refugiados. ;Você não pode enviar um refugiado de volta para um país de conflito. Isso é um pilar central do sistema de proteção do refugiado, algo extremamente sério;, assegurou. O turco Yasin Aktay, parlamentar do governista Partido da Justiça e Desenvolvimento (AK), classificou o estudo da Anistia de ;mentira;. ;É uma mentira que a Turquia esteja enviando civis, incluindo mulheres e crianças, de volta para a Síria. Essa queixa é injusta para um país que hospeda 2,7 milhões de refugiados ; os quais chamamos de hóspedes ;, independentemente da etnia;, disse à emissora de TV Al-Jazeera, do Catar. O diretor da Anistia Internacional para Europa e Ásia Central rebate. ;As autoridades turcas negam isso, porque o caso excede a ilegalidade.;

Durante a coleta de depoimentos, Dalhuisen ficou particularmente chocado com o caso de um tio que estava em um playground com três sobrinhos, de 9, 10 e 11 anos. ;As crianças brincavam no parque e haviam chegado à Turquia cerca de três ou quatro meses atrás, e não estavam registradas. O tio apresentava situação legal, portava documentos. Elas foram encaminhadas a um centro de detenção, onde passaram várias horas ali e puderam se comunicar com a família. Mas os pequenos acabaram jogados em um dos ônibus rumo à Síria;, lamenta Dalhuisen.

Contradição
Diretor executivo da Human Rights Watch (HRW), Kenneth Roth destacou o caráter contraditório da medida. ;Ao mesmo tempo em que firmou o acordo com a UE para receber os refugiados em massa da Grécia, Ancara parece insinuar que não aceitará mais quaisquer migrantes;, disse. Ele reconhece um ligeiro abrandamento do conflito sírio no último mês, após a negociada ;cessação de hostilidades;, mas alerta para os riscos da devolução forçada de solicitantes de asilo. ;A prática desmente as afirmações da UE de que a Turquia é um local ;seguro; para receber os refugiados devolvidos da Grécia. Nem a Turquia nem a Síria o são. Civis continuam sendo bombardeados, mortos e sitiados; no país de Bashar Al-Assad, adverte.

Roth lembra que Ancara ratificou a Convenção sobre Refugiados de modo bastante limitado, a fim de aplicá-la somente aos europeus. ;A UE entende que a maioria dos refugiados sírios, iraquianos e afegãos que desembarcam na Grécia ; eles somam 90% das chegadas recentes ; são solicitantes de asilo legítimos. Ainda que a Turquia tenha concedido proteção temporária a cerca de 2,5 milhões de sírios, a falta de proteção legal significa que eles estão vulneráveis ao retorno forçado para a Síria a qualquer momento. Além disso, a Turquia nem mesmo concede proteção temporária a refugiados iraquianos e afegãos, que, juntos, representam 40% dos desembarques na Grécia;, conclui.

A matéria completa está disponível aqui, para assinantes. Para assinar, clique