Após vários anos de isolamento dos mercados financeiros, a Argentina iniciou o caminho de uma normalização econômica que necessariamente passa pelo degelo com uma instituição ainda odiada em Buenos Aires: o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Ao anunciar na segunda-feira (29/02) o início de um acordo com os fundos "abutres", o novo presidente argentino, Mauricio Macri, deu à comunidade internacional um sinal positivo. No entanto, ainda falta abrir uma nova era com o FMI depois de uma década de relações tensas.
"Reconectar-se ao FMI é crucial porque acaba com a imagem consolidada da Argentina como um país opaco que não publica qualquer tipo de informação econômica", disse à AFP Monica de Bolle, ex-economista do FMI especializada em América Latina.
O regresso à instituição permitiria, ainda, propiciar o retorno de investidores, disse Ernesto Talvi, diretor do centro de análise Brookings-Ceres Latin America Initiative.
"Saber que o Fundo estará presente se for necessário constitui uma garantia importante para os investidores, especialmente em um momento em que são mais e mais reticentes a investir em mercados emergentes", apontou o ex-analista do Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Cartão vermelho
Essa aproximação, entretanto, não é considerada um fato consumado na Argentina, onde diversos setores consideram que o FMI teve parte de responsabilidade na moratória de 2001, auge da crise do país que ainda não conseguiu se recuperar completamente.
Até Dominique Strauss-Kahn, ex-diretor-gerente do FMI, chegou a admitir em 2007 que o Fundo era considerado um "diabo" na Argentina, e que teria "razões para isso".
Em um sinal evidente da hostilidade permanente, os últimos governos argentinos reduziram ao mínimo as relações com o FMI, especialmente durante a administração da presidente Cristina Kirchner (2007-2015).
Desde 2006 o país se nega a aceitar as missões anuais que o FMI envia tradicionalmente a seus 188 Estados-membros para analisar as contas públicas.
O fosso que separa as duas partes se tornou ainda maior em 2013, quando o FMI iniciou contra a Argentina um procedimento inédito de sanções para denunciar a falta de confiança nas suas estatísticas oficiais de inflação e crescimento.
A atual diretora-gerente Christine Lagarde chegou a ameaçar o país com um "cartão vermelho" de expulsão, em uma declaração que provocou a ira em Buenos Aires.
Estigmas do passado
Recém-chegado ao poder, Macri deseja virar a página e começar um processo de abertura da economia, multiplicando gestos de boa vontade.
"Queremos voltar a ser um país normal", reiterou em várias oportunidades.
A mudança de discurso não passou desapercebida no FMI. "As medidas macroeconômicas definidas pelas novas autoridades na Argentina são muito alentadoras", disse Lagarde em fevereiro, saudando o compromisso com os "dados econômicos transparentes".
Em outro gesto de aproximação, Buenos Aires deu sinais de que pode aceitar novamente as missões do FMI, e autorizou na segunda-feira a publicação de informes para o Diretório da entidade e preparados por seus especialistas sobre a economia argentina.
A Argentina, fragilizada como outros países emergentes pela queda dos preços das matérias-primas, "não tem outra opção, tendo em vista sua situação econômica", disse à AFP Mark Jones, especialista em América Latina para o Instituto Baker de Políticas Públicas.
Bom para ambos
Essa aproximação é boa também para o FMI, já que lhe permite melhorar sua vigilância econômica da região e se livrar de sua imagem de instituição "intransigente e desumana", como disse Lagarde em junho de 2015.
"Levará tempo para que tudo isso mude, mas o FMI chega à Argentina com uma abordagem de oferecer assistência técnica, para ajudar ao país, seria um enorme passo em matéria de relações públicas para a instituição", apontou De Bolle.
Pelo menos até o momento, uma assistência financeira condicionada à implementação de reformas econômicas parece descartada, porque traria más recordações para o país, opinaram os especialistas consultados.
"O problema é que o FMI continua carregando os estigmas do passado", disse Talvi, lembrando que as circunstâncias podem mudar. "Às vezes o politicamente impossível torna-se politicamente inevitável", afirmou.