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Pressão diplomática tenta desbloquear negociações sobre a Síria

Apesar da desconfiança expressa pelos dois lados, o delegado da ONU para a Síria ressaltou seu otimismo quanto às negociações

O delegado das Nações Unidas para a Síria se esforçou neste domingo em Genebra a desbloquear as negociações entre o regime e a oposição da Síria, em um dia também marcado por um atentado do grupo Estado Islâmico que matou 45 pessoas perto de Damasco.

Apesar da desconfiança expressa pelos dois lados, o delegado da ONU para a Síria, Staffan de Mistura, ressaltou seu otimismo quanto às negociações e anunciou que na segunda se reunirá em separado com os representantes do governo de Bashar al Assad e da oposição.

De Mistura espera levar a delegação de Damasco e a da oposição a um processo de diálogo indireto, que deve durar seis meses, prazo imposto pela ONU para abrir um processo de transição com o objetivo de realizar eleições em meados de 2017.

[SAIBAMAIS]O secretário de Estado americano, John Kerry, pediu, por sua vez, que o regime e a oposição sírios aproveitem as negociações de paz de Genebra, e acusou as forças do presidente Bashar al-Assad de estar matando de fome os civis do país. "Esta manhã, à luz do que está em jogo nessas negociações, peço a ambas as partes para aproveitar a ocasião", declarou Kerry em uma declaração postada na internet.

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De cara, a delegação do regime sírio acusou a oposição de falta de seriedade nas negociações. O embaixador sírio ante as Nações Unidas, Bashar al Jaafari, que lidera a delegação do regime, também afirmou que Damasco quer que o "banho de sangue" chegue a um fim na Síria.

O principal grupo de oposição, que hesitou durante dias antes de aceitar participar nas negociações, afirmou que não se unirá formalmente às conversações a menos que seja levantado o cerco a várias cidades, interrompidos os bombardeios e libertados prisioneiros. "Viemos a Genebra apenas depois que foram assinados compromissos por escrito de que haverá progressos nas questões humanitárias", afirmou Basma Kodmani, porta-voz do Alto Comitê de Negociações (ACN, oposição).

O delegado do regime respondeu que quem estabelece condições prévias "está violando o acordo preparatório da ONU". Em meio aos atropelos, um controverso membro do poderoso grupo rebelde sírio Exército do Islã afirmou que viajará a Genebra para participar nas conversações como chefe negociador dos rebeldes. "Estou a caminho. Vou ser o chefe negociador", declarou Mohamed Allush, que espera chegar nesta segunda em Genebra.
Oposição com apoios distintos

Os Estados Unidos renunciaram em agosto de 2013 atacar o regime de Bashar al Assad, acusado de ter cometido um "massacre químico" na região da Guta, arredores de Damasco. O presidente americano, Barack Obama, foi eleito em parte por sua promessa de retirar as tropas da região e seu país não tem interesses vitais na Síria. Washington combate militarmente o EI, apoia os grupos de oposição moderada, especialmente uma força curda e árabe sunita, mas não considera a saída de Assad uma prioridade absoluta. Já outros membros da coalizão anti-jihadista, como França e Reino Unido, têm, sim, interesses diretos na Síria.

Os atentados de 2015, reivindicados pelos jihadistas do EI, atingiram em cheio Paris, que, ao lado de Berlim, Londres e toda a Europa, também enfrenta a maior crise de migrantes no Velho Continente, a maioria sírios, desde a Segunda Guerra Mundial.

Os países árabes, especialmente a Arábia Saudita e o Catar, desempenham um importante papel no conflito na Síria, onde lutam contra o Irã, seu primeiro e principal adversário na região, apoiando grupos opositores sírios. Riad e Doha financiam precisamente grupos armados salafistas na Síria. E embora a oposição política e militar tenha conseguido mais ou menos unir-se em dezembro na Arábia Saudita, o regime sírio e seus aliados rebatem sua representatividade. Finalmente, a Turquia, um país essencial, mas frágil na coalizão contra os jihadistas, também tem seus próprios interesses.

Ancara, acusada durante muito tempo de ser indulgente com os combatentes do Estado Islâmico (EI), considera os curdos sua principal ameaça, apesar de os jihadistas do EI terem lançado em solo turco atentados mortais.

Ataque em Damasco
Apesar dos esforços diplomáticos, a violência não deu trégua.Pelo menos 50 pessoas morreram neste domingo em três explosões perto do santuário xiita de Sayeda Zeinab, ao sul de Damasco, num atentado reivindicado pelo grupo Estado Islâmico (EI).

Um carro-bomba explodiu em frente a um ponto de ônibus perto da mesquita de Sayeda Zeinab, um importante local de peregrinação xiita que abriga o mausoléu de uma das netas do profeta Maomé.

Dois homens-bomba, em seguida, acionaram os seus cintos de explosivos no momento em que testemunhas se aproximavam do local da explosão. Pelo menos 110 pessoas ficaram feridas, segundo a agência de notícias Sana. Esta tripla explosão provocou importantes danos, formando uma enorme cratera na calçada e calcinação da fachada de um edifício, de acordo com um fotógrafo da AFP.

Em um comunicado divulgado nas redes sociais, o grupo jihadista afirmou que dois de seus membros se explodiram perto do santuário. "Dois soldados do califado se martirizaram em uma guarida de infiéis na zona de Sayyida Zeinab, matando ao menos 50 e ferindo 120", afirmou o grupo radical sunital

O Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH) tem citado 58 mortos, incluindo 20 civis, bem como 25 militantes xiitas não-sírios, sem especificar a sua nacionalidade. Os xiitas são regularmente alvos de grupos jihadistas, principalmente do EI, que consideram os membros desta comunidade como hereges.

Em fevereiro de 2015, a mesquita já havia sido alvo de um ataque suicida que matou quatro pessoas e feriu 13 em um posto de controle perto do santuário.