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Rússia rejeita resposta militar contra Turquia, mas adota represálias

Após o incidente, o mais grave para Moscou desde o início da sua intervenção militar na Síria, em 30 de setembro, os líderes dos dois países prometeram evitar uma escalada militar na região

Dois dias após um caça-bombardeiro russo ser abatido pela aviação turca na fronteira síria, a Rússia anunciou nesta quinta-feira (26/11) que prepara medidas de represália econômica contra Ancara, e colocou em dúvida o compromisso turco de combater o grupo Estado Islâmico.

Após o incidente, o mais grave para Moscou desde o início da sua intervenção militar na Síria, em 30 de setembro, os líderes dos dois países prometeram evitar uma escalada militar na região, mas nesta quinta-feira o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, elevou o tom ao se negar a pedir as desculpas exigidas por seu homólogo russo, Vladimir Putin.

"Os que violaram o nosso espaço aéreo é que precisam pedir desculpas", declarou Erdogan, chamando os russos de "caluniadores" e acusando Putin de não responder a seus telefonemas. "Após este acontecimento telefonei para Putin, mas até agora ele não me respondeu. Poderíamos ter resolvido isto de outra maneira, esta violação do espaço aéreo, de saber que se tratava de um avião russo", disse Erdogan à TV francesa.

Já Putin disse "ter a impressão de que os dirigentes turcos conduzem conscientemente as relações entre Rússia e Turquia para um beco sem saída". O Exército russo anunciou nesta quinta-feira ter "destruído" os grupos rebeldes que se encontravam na zona onde caiu o caça-bombardeiro Su-24, e acrescentou que instalará sistemas de defesa antiaérea S-400 na base aérea de Hmeimim, no noroeste da Síria.

As autoridades russas já haviam decidido responder economicamente à morte de dois militares russos - um dos dois pilotos do caça abatido e um soldado das tropas de elite que participava da operação de resgate do segundo piloto. A tensão entre a Rússia e a Turquia ocorre no momento em que o presidente francês, François Hollande, tenta estabelecer uma coalizão anti-jihadista após os ataques de Paris, que deixaram 130 mortos em 13 de novembro.

Antes de receber nesta quinta-feira no Kremlin o presidente francês, Putin atacou Ancara, que "não apresentou qualquer pedido de desculpas, nem uma proposta para compensar o mal e os estragos causados, nem promessas de punir os responsáveis". O ministro das Relações Exteriores turco, Mevlut Cavusoglu, respondeu com firmeza ao excluir qualquer pedido de desculpas à Rússia.

Seguindo as ordens de Vladimir Putin, o primeiro-ministro Dmitry Medvedev reuniu seu governo, a fim de preparar dentro de dois dias uma série de medidas de retaliação após o "ato de agressão" da Turquia. Sem entrar em detalhes, ele sugeriu que projetos conjuntos podem ser suspensos, leis aduaneiras endurecidas e ligações aéreas sujeitas a restrições. O uso da mão de obra turca na Rússia também poderia ser afetada.



Estas medidas poderiam pôr em perigo a construção em curso da primeira usina nuclear turca em Akkuyu (sul) e enterrar o projeto de gasoduto TurkStream, que Moscou queria fazer de porta de entrada para o gás russo no sul da Europa.

Bilhões em jogo
O ministro russo da Agricultura, Alexander Tkachev, anunciou por sua vez um reforço dos controles sobre os produtos agrícolas e gêneros alimentícios importados da Turquia. Num comunicado, Tkatshev denuncia "as repetidas violações das normas russas por parte dos produtores turcos", que poderiam afetar 15% dos produtos agrícolas importados de Turquia.

Tkatshev citou a presença de "substâncias proibidas e prejudiciais", assim como doses excessivas de pesticidas ou nitratos. Mas há vários anos, a Rússia é acusada de tomar decisões de ordem sanitária com base em suas posições geopolíticas. Desde o ano passado, Moscou impõe um embargo sobre a maior parte dos produtos alimentares dos países ocidentais que adotaram sanções contra o país em função do conflito na Ucrânia.

As importações turcas para a Rússia ultrapassaram três bilhões de dólares nos três primeiros trimestres deste ano. De acordo com a imprensa russa, as alfândegas russas já inspecionam escrupulosamente todas as mercadorias que chegam da Turquia, causando atrasos e bloqueios.

A máquina foi colocada em movimento poucas horas depois do caça ser abatido, quando Moscou recomendou aos russos que não viajem à Turquia, potencialmente privando o país de mais de três milhões de turistas por ano.

As manifestações de descontentamento também se multiplicaram na Rússia: pedras foram lançadas contra a embaixada da Turquia em Moscou, enquanto um projeto de lei para penalizar a negação do genocídio armênio ganha força.

Luta incontestável
Furiosa após a perda de seu avião, a Rússia chegou a acusar a Turquia de manter laços com o EI, com Putin denunciando aqueles que "acobertam o tráfico de petróleo, seres humanos, drogas, obras de arte e armas".

Por sua vez, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, respondeu nesta quinta-feira às acusações de complacência com os jihadistas lançadas por Vladimir Putin, dizendo que o compromisso de seu país com a luta contra o grupo Estado Islâmico é "incontestável". "A posição de nosso país contra o Daesh (acrônimo em árabe do Estado Islâmico) tem sido clara desde o início", afirmou Erdogan em Ancara.

Erdogan também desafiou a Rússia a provar que a Turquia compra petróleo do EI. "Aqueles que nos acusam de comprar petróleo do Daesh são obrigados a provar as suas acusações". Sobre as circunstâncias na qual caças F-16 turcos abateram o Su-24 russo, Moscou e Ancara defendem suas versões diametralmente opostas.

Ancara afirma que a aeronave voava em seu espaço aéreo e que advertiu "dez vezes em cinco minutos", e que a nacionalidade do avião era desconhecida. Moscou assegura que o caça sobrevoava a Síria e que não foi alertado antes de ser atingido.

Um dos dois pilotos foi morto a tiros quando descia de paraquedas, segundo Moscou. O segundo foi resgatado após duas operações de resgate que custaram a vida de um soldado russo.