Estados Unidos e União Europeia reiniciaram nesta segunda-feira (19/10) as negociações sobre o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, que enfrenta resistências da sociedade civil europeia e que apresenta vários pontos de divergência entre as partes.
As discussões, que se prolongarão durante uma semana em Miami (sudeste de Estados Unidos), são apenas uma etapa técnica em um longo processo iniciado em julho de 2013 e que pretende eliminar as barreiras tarifárias e não tarifárias existentes nos dois lados do Atlântico.
O governo de Barack Obama aposta no elemento de pressão para acelerar as negociações do acordo comercial TPP que acaba de assinar com 11 nações do Pacífico, mas o caminho está repleto de obstáculos.
Na Europa e nos Estados Unidos o acordo é acusado de ser uma espécie de Cavalo de Troia de uma liberalização generalizada e obscura que beneficiaria as empresas multinacionais em detrimento de normas sanitárias e ambientais.
"É muito importante para a Europa unir-se em torno do TTIP (sigla do acordo em inglês)", declarou nesta segunda-feira em Madri o secretário de Estado americano, John Kerry.
"Permita-me ressaltar: o acordo não enfraquecerá as regulamentações. Não afetará as regras sobre meio ambiente e mercado de trabalho", defendeu Kerry.
O coletivo "Stop TTIP", fortemente contrário ao tratado, reuniu nos últimos dias mais de três milhões de assinaturas contra o acordo. No dia 10 de outubro, em Berlim, uma manifestação dos adversários do TTIP contou com a presença de 100.000 a 250.000 pessoas.
O próprio governo francês exigiu maiores garantias a seus parceiros americanos para continuar nas negociações.
"É necessário que haja alterações substanciais na confiança, na reciprocidade, no acesso aos documentos", disse no começo de outubro o secretário de Estado francês para o Comércio Exterior, Matthias Fekl, que ameaçou com uma suspensão "pura e simples" das negociações em 2016.
Risco inútil
Um dos principais alvos dos opositores ao TTIP é o ISDS, un mecanismo de arbitragem que permitiria às multinacionais acionarem na justiça qualquer Estado que ameace seus interesses.
"Considerando a solidez dos sistemas judiciais dos Estados Unidos e da UE, (um mecanismo desse tipo) traria um risco inútil às políticas públicas dos países", diz a central sindical americana AFL-CIO.
A Comissão Europeia, que conduz as negociações do lado europeu, propôs em meados de setembro substituir este mecanismo de proteção dos investidores por um tribunal especial de solução de controvérsias integrado por magistrados.
"Até o momento, essas negociações são muito difíceis de vender na União Europeia, já que não levaram a nada concreto", admitiu no começo de agosto a comissária de Comércio da UE, Cecilia Malmstr;m.
O recente escândalo que afetou o grupo alemão Volkswagen, que estourou nos EUA e chegou até a Europa, prejudicou ainda mais o estabelecimento de um clima de confiança entre os negociadores.
"Dediquei muito tempo para explicar aos americanos que na Europa temos normas ambientais mais severas e agora parece que não são tão perfeitas", lamentou Malmstr;m.
Pelo lado europeu insiste-se, contudo, que o caso Volkswagen "não tem nada a ver" com as negociações do TTIP.
A rodada de Miami, a décima primeira desde o começo das negociações, deve abordar o tema das barreiras tarifárias antes de chegar aos pontos mais sensíveis: o acesso aos mercados públicos americanos pelas empresas europeias.
Várias leis do EUA, como a Small Business Act e Buy American Act, reservam a pequenas e médias empresas nacionais alguns mercados públicos, principalmente de estados federados.
"As compras dos estados são muito importantes para nós", disse uma fonte europeia que não quis se identificar.
"Sabemos que é um tema sensível nos Estados Unidos (...) exporemos nossos pontos de vista", acrescentou.
O governo de Obama, que busca reequilibrar uma balança comercial americana cronicamente deficitária, espera chegar a um acordo antes que a campanha presidencial e legislativa de 2016 paralise as discussões.
A ex-secretária de Estado Hillary Clinton, que tem grandes chances de ser eleita a candidata democrata à presidência, já manifestou sua oposição ao TTIP, buscando atrair a ala esquerda de seu partido.
"Se pudéssemos concluir as negociações durante o governo de Obama, seria algo positivo (...), mas não vamos sacrificar o conteúdo do acordo", disse uma fonte europeia.