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Acordo de paz histórico entre Farc e Colômbia será concluído em seis meses

Reunião foi celebrada em Havana com a presença de Raúl Castro

Havana, Cuba - O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, anunciou nessa quarta-feira (24/9), em Havana (Cuba), ter acordado com o líder das Farc, Timoleón Jiménez ("Timochenko"), a assinatura de um acordo final de paz em até seis meses. Foi a primeira vez que os líderes se encontraram pessoalmente. "O chefe do secretariado das Farc e eu acordamos que, no mais tardar em seis meses, esta negociação deve ser concluída e um acordo final [de paz], assinado", disse Santos na presença de Jiménez e do presidente cubano, Raúl Castro.



Na solenidade, esses representantes dos países garantes do processo de paz para a Colômbia leram o texto do acordo sobre Justiça. "Estamos vendo o amanhecer da paz, com uma mensagem clara para os colombianos", comemorou o senador colombiano da base governista Roy Barrera, um dos legisladores que acompanharam Santos a Havana.

As negociações em Havana, iniciadas em novembro de 2012, tinham empacado na espinhosa questão sobre se os guerrilheiros deveriam ser condenados à prisão por sequestros, uso de crianças-soldado, tráfico de cocaína e outros crimes. As Farc começarão a se desarmar 60 dias depois da assinatura do acordo final para se tornar movimento político.


Acordo pós-conflito
O comunicado conjunto das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia e do governo de Santos divulgado nesta quarta-feira prevê a forma como será aplicada a justiça quando o conflito armado de mais de meio século for encerrado. As duas partes acertaram uma "ampla anistia" após o fim do conflito, excluindo da mesma os crimes contra a humanidade.

Segundo o texto do acordo, "o Estado colombiano outorgará a anistia mais ampla possível a delitos políticos e correlatos (...) Em todo caso, não serão objeto de anistia ou indulto as condutas tipificadas na legislação nacional que correspondam a crimes contra a humanidade, o genocídio e os graves crimes de guerra, entre outros delitos graves, como a tomada de reféns ou outra privação grave da liberdade, a tortura, o deslocamento forçado, o desaparecimento forçado, as execuções extrajudiciais e a violência sexual". A jurisdição especial contará com salas de justiça e um tribunal para a paz.



O governo colombiano e as Farc já realizaram negociações de paz anteriormente, a última no fim dos anos 1990 e começo dos 2000, mas terminaram em fracasso e as hostilidades foram retomadas.

Até agora, as partes acertaram três dos seis pontos da agenda e nos últimos ciclos de diálogo (41 foram celebrados até agora) vinham discutindo a reparação às vítimas, que inclui o tema da justiça, enquanto uma subcomissão conjunta preparava paralelamente planos para um cessar-fogo definitivo. Desde julho vigora na Colômbia uma trégua unilateral das Farc, e o presidente Santos determinou a suspensão de bombardeios contra posições rebeldes.

As duas partes encerraram o tema da reforma agrária (maio de 2013), participação política (novembro de 2013) e das drogas ilícitas (maio 2014). Além disso, acertaram em março deste ano um programa de retirada de minas e, em abril, a formação de uma Comissão da Verdade.



Principais pontos do acordo celebrado entre as Farc e Colômbia
- Criar uma Comissão para o esclarecimento da verdade, a convivência e a não repetição desses crimes.
- Criar uma Jurisdição Especial para a Paz, que contará com Salas de Justiça e com um Tribunal para a Paz.
- A função essencial das Salas e do Tribunal para a Paz é acabar com a impunidade, obter a verdade, contribuir para a indenização das vítimas e julgar e impor sanções aos responsáveis pelos graves crimes cometidos durante o conflito armado.
- Ao final das hostilidades, o Estado colombiano outorgará a anistia mais ampla possível pelos delitos políticos e conexos. Não serão alvo de anistia crimes contra a humanidade, genocídios, crimes de guerra, deslocamento forçado, desaparecimento forçado e violência sexual, entre outros.
- A Jurisdição terá competência em relação a todos que, de maneira direta ou indireta, tiverem participado do conflito armado interno, incluindo as FARC-EP e os agentes do Estado.
- Os que admitirem seus crimes receberão uma pena mais leve do que os que negarem.
- As sanções que forem impostas pelo Tribunal terão como finalidade essencial satisfazer os direitos das vítimas e consolidar a paz.
- As sanções para quem reconhecer delitos muito graves terão um mínimo de cinco anos e máximo de oito de restrição efetiva da liberdade, em condições especiais.
- As pessoas que tiverem feito esse reconhecimento de maneira tardia perante a Justiça receberão penas de cinco a oito anos de prisão, em condições ordinárias.
- No caso das Farc, a participação no sistema integral estará sujeita à deposição das armas, que deve começar, no mais tardar, os 60 dias depois da assinatura do Acordo Final.
- A transformação das Farc em um movimento político legal contará com todo o apoio do governo nos termos do acordo.




Evolução cronológica do acordo
Abaixo montamos, em ordem cronológica, o passo a passo dos diálogos iniciados formalmente em 19 de novembro de 2012 em Havana com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc, comunistas), que têm Cuba e Noruega como avalistas e Venezuela e Chile como observadores:

2012
- 19 de novembro: instalada em Havana a mesa de negociações, um mês depois de as partes iniciarem a primeira rodada de diálogos na Noruega. O chefe da delegação do governo é Humberto de La Calle e o das Farc, Iván Márquez.

2013
- 26 de maio: acordo parcial sobre o desenvolvimento agrário, um dos seis pontos do mapa do caminho pactuado.
- 23 a 26 de agosto: suspensão temporária dos diálogos pelas Farc, após a proposta do governo de referendar um tratado de paz definitivo com um referendo e não com uma Assembleia Constituinte, como pedem os insurgentes.
- 6 de novembro: segundo acordo parcial, sobre participação política dos ex-guerrilheiros.

2014
- 3 de fevereiro: escândalo de espionagem por parte de inteligência militar a todos os negociadores de paz.
- 16 de maio: terceiro acordo parcial sobre solução para o problema das drogas ilícitas.
- 15 de junho: reeleição de Santos para o período 2014-18.
- 15 de julho: começa a discussão sobre as vítimas do conflito, ainda em curso. Este ponto inclui dois subtemas: reparação, verdade e justiça.
- 15 de agosto: o primeiro de cinco grupos de doze vítimas cada dá seu testemunho à Mesa.
- 21 de agosto: criação da Comissão Histórica do Conflito, que tem seu informe final publicado em fevereiro de 2015.
- 22 de agosto: instalação da subcomissão de militares e guerrilheiros para o cessar-fogo bilateral e deposição das armas.
- 27 de setembro: novas denúncias de espionagem contra negociadores.
- 16 de novembro-10 de dezembro: suspensão temporária das conversações após o sequestro de um general do Exército pelas Farc.
- 20 de dezembro: começa a primeira trégua unilateral e indefinida das Farc.

2015
- 12 de fevereiro: as Farc renunciam a recrutar menores de 17 anos.
- 7 de março: acordo de retirada de minas conjunto entre militares e guerrilheiros.
- 10 de março: Santos ordena a suspensão de bombardeios contra as Farc por um mês.
- 15 de abril: 11 militares morrem em ataque das Farc; recomeçam os ataques aéreos do governo.
- 23 de maio: fim da trégua unilateral e indefinida das Farc após o bombardeio do governo, que deixa 26 guerrilheiros mortos.
- 5 de junho: criação da Comissão da Verdade.
- 12 de julho: Santos dá prazo de quatro meses para decidir se continua com o processo de paz.
- 20 de julho: nova trégua unilateral das Farc; cinco dias depois, Santos reordena a suspensão dos bombardeios.
- 17 de setembro: as Farc anunciam que estão prontas para se tornar um movimento político.
- 23 de setembro: Santos e Timochenko se encontram em Havana e acordam o processo judicial a ser adotado para crimes cometidos durante o conflito, um ponto-chave que bloqueava o avanço dos diálogos de paz. O presidente colombiano anuncia que um acordo final de paz será assinado "no mais tardar em seis meses".