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Papa Francisco simplifica procedimentos para anulação de casamentos

As novas regras eliminam a exigência de que qualquer anulação concedida por um tribunal da igreja devem ser automaticamente revista por um outro conjunto de juízes

O papa Francisco alterou nesta terça-feira (8/9) o procedimento da Igreja Católica para anular os casamentos, que passa a ser mais simples, rápido e gratuito, uma reforma pensada para os mais pobres, mas vista com receio pelos conservadores.

[SAIBAMAIS]A um mês do delicado sínodo dos bispos sobre a família, esta reforma pode ser mal recebida por alguns prelados conservadores, que temem a introdução de um divórcio católico dissimulado, apesar da mudança tratar apenas do procedimento e não dos motivos.

A reforma, anunciada em dois "motu proprio" (carta papal) - uma para a Igreja romana e outra para as Igrejas orientais vinculadas a Roma -, reflete a vontade do argentino Jorge Mario Bergoglio de desburocratizar a justiça vaticana e de conceder um papel central aos bispos.

Nas cartas, o papa também faz menção ao "grande número de fiéis" que atualmente não podem anular o casamento "devido à distância física e moral" das "estruturas jurídicas" da Igreja.

O pontífice decidiu que apenas uma sentença bastará para decretar a nulidade do matrimônio eclesiástico, ao invés das duas que eram exigidas até agora. O recurso ao tribunal da sede apostólica romana, a Rota, continuará sendo possível, mas para casos excepcionais.



Para se pronunciar sobre um recurso de anulação, o bispo designará um juiz único do clérigo, e deverá assegurar que "nenhum laxismo será permitido". Um trâmite mais curto está previsto para os casos de anulação mais evidentes. Nestes casos, o bispo da diocese será o mesmo juiz, com o objetivo de que as decisões respeitem "a unidade católica na fé e na disciplina".

Princípio de gratuidade

O papa Francisco também decidiu que o procedimento será gratuito para todos, com a ajuda das conferências episcopais, que receberam um pedido para que concedam uma "retribuição digna" aos funcionários dos tribunais. "Em um assunto tão estreitamente relacionado com a salvação das almas, a Igreja, mostrando-se como uma mãe generosa, manifesta o amor gratuito de Cristo que salvou toda a humanidade", afirmou o papa.

Desde sua eleição em 2013, Francisco destacou a desigualdade existente entre os fiéis a respeito da anulação do matrimônio católico, percebido como um privilégio para os mais ricos.

Varias celebridades, como a princesa Caroline de Mônaco, conseguiram anular o casamento. Mas o procedimento era complexo e caro para a maioria das pessoas, que não conhecem bem o funcionamento da justiça eclesiástica ou não têm recursos suficientes.

A reforma ambiciosa democratiza o trâmite de anulação do matrimônio católico, mas não modifica os motivos que justificam as anulações, um tema que será abordado durante o sínodo dos bispos de outubro. O papa reafirmou em várias ocasiões o princípio de indissolubilidade do matrimônio. A reforma retoma as recomendações de uma comissão criada no ano passado pelo pontífice argentino.

Francisco atuou "com gravidade, mas com grande serenidade, e colocou os pobres no centro", destacou o presidente desta comissão, monsenhor Pio Vito Pinto, que explicou que a reforma expressa uma orientação fundamental do Concílio Vaticano II (1962-65), que concede um papel central aos bispos.

Durante o último sínodo sobre a família, em outubro do ano passado, muitos bispos se pronunciaram a favor de um trâmite mais fácil e rápido. Desde 2014, o papa - que enfrentou o problema em várias oportunidades quando era arcebispo de Buenos Aires - havia decidido adotar a reforma.

Reconhecer a nulidade do casamento equivale a dizer que, devido a um problema desde o princípio, o sacramento nunca ocorreu. Isto permite aos ex-cônjuges casar novamente no religioso. A Igreja rejeita o divórcio e considera o segundo casamento civil como uma infidelidade ao verdadeiro cônjuge.

A falta de consentimento, a mentira, a não consumação da união são alguns dos principais argumentos invocados para pedir a nulidade de uma união eclesiástica. Alguns fiéis passam por trâmites longos e difíceis para obter a nulidade ante as jurisdições eclesiásticas, já que o divórcio os privaria dos sacramentos.

De acordo com algumas fontes, está previsto que durante o novo sínodo de outubro seja abordada a falta de fé como um motivo para obter a anulação do casamento. De fato, muitos casais se unem em matrimônio por pressão social, sem entender o compromisso assumido.

Para os conservadores, as reformas fragilizam a instituição. Segundo estes, a concessão simplificada da nulidade equivale a um divórcio católico dissimulado.

A Comissão "evitou que o papa tivesse que gerenciar uma situação que pudesse se tornar explosiva", declarou o vaticanista Morco Tosatti em seu blog.