Um relatório independente divulgado neste domingo contesta a investigação do governo mexicano sobre o desaparecimento de 43 estudantes universitários no ano passado, incluindo a afirmação de que os corpos foram incinerados em um depósito de lixo.
Segundo o governo, os ataques contra estudantes em 26 de setembro do ano passado ocorreram porque eles foram confundidos com membros de uma gangue rival de traficantes. O relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no entanto, diz que os estudantes podem ter interferido, sem saber, no transporte de drogas para os Estados Unidos. No dia de seu desaparecimento, os estudantes estavam sequestrando ônibus para transportar manifestantes até um protesto. De acordo com o relatório, um desses ônibus poderia conter um carregamento de drogas. Igualo, a cidade do Estado de Guerrero onde ocorreram os ataques, é uma das principais paradas em uma conhecida rota de transporte de heroína para os Estados Unidos, principalmente para Chicago.
"O negócio que movimenta a cidade de Iguala poderia explicar uma reação tão extrema e violenta", diz o relatório.
A noite do desaparecimento dos estudantes foi marcada por horas de terror e ataques coordenados realizados por policiais locais de Igualo e da cidade vizinha de Cocula, embora não se saiba quem os ordenou. Esses ataques deixaram seis mortos e cerca de 40 feridos.
Um ano após o desaparecimento, o destino de 42 dos estudantes ainda é um mistério. O documento, de mais de 400 páginas, revela erros, omissões e falsas conclusões nas investigações do governo mexicano. Peritos reunidos pela comissão de direitos humanos entrevistaram testemunhas, detentos e analisaram as evidências e conclusões do governo. Um fragmento de osso carbonizado de um dos 43 estudantes foi identificado e, diferentemente do que dizem as autoridades mexicanas, não traz indícios de incineração, segundo o relatório.
O documento recomenda que autoridades repensem suas suposições e linhas de investigação, e que continuem procurando os estudantes A equipe internacional de peritos, que inclui advogados, ex-promotores e um médico, diz que a investigação do governo foi equivocada quanto à natureza e o motivo dos ataques.
Policiais militares e federais sabiam dos ataques e estavam presentes em alguns locais onde eles ocorreram, de acordo com o relatório. Embora seu envolvimento ainda não esteja claro, eles foram no mínimo omissos, diz o documento.
"Mesmo com o mundo assistindo e com recursos substanciais à disposição, as autoridades revelaram-se incapazes ou não dispostas a realizar uma investigação séria", disse em comunicado José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da Human Rights Watch.
A resposta lenta ao caso dos 43 estudantes e a versão implausível do governo para os acontecimentos provocaram indignação internacional e corroeram a credibilidade do governo do presidente Enrique Peña Nieto. Em sua conta no twitter, Peña Nieto pediu que os investigadores levem em consideração o relatório publicado neste domingo.
Os pais das vítimas, todos homens jovens e muitos em seu primeiro ano de faculdade, e vários grupos de direitos humanos ficaram indignados com o fato de a investigação ter sido baseada em testemunho dos detidos, e não em evidências físicas. O relatório diz que os detentos deram quatro versões do que aconteceu, inclusive a de que os alunos foram incinerados em um depósito de lixo municipal na cidade vizinha de Cocula e suas cinzas, ensacadas e jogadas em um rio.
O grupo contratou seu próprio perito forense para examinar o depósito de lixo e disse que poderia concluir, sem sombra de dúvida, que os 43 estudantes não foram incinerados no lixão municipal de Cocula. O relatório diz que a gangue de traficantes local, Guerreros Unidos, não tinha um histórico de cremar corpos dessa maneira nem o combustível disponível nas proximidades.
Até agora, mais de 100 pessoas foram detidas, a maioria policiais locais. O ex-prefeito de Iguala, José Luis Abarca, também está sob custódia e foi identificado, junto com sua esposa, como o responsável pelo ataque. Os especialistas dizem que isso pode ser verdade, mas ainda não está claro. Fonte: Associated Press.