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'Aventura econômica' na Europa, Liberland atrai curiosos de todo o mundo

Microestado quer ser pátria das liberdades pessoais, com interferência mínima do Estado na vida dos cidadãos

Acompanhado de dois outros fundadores, o eurocético Vít Jedlicka, 31 anos, membro do conservador Partido dos Cidadãos Livres, da República Checa, proclamou em 13 de abril a criação da República Livre de Liberland. O protótipo de microestado ocupa 7km; na fronteira entre a Sérvia e a Croácia. Como o próprio nome sugere, o ;país; se pretende pátria das liberdades pessoais, com interferência mínima do Estado na vida dos cidadãos. ;Viver e deixar viver;, diz o lema local. Com atrativos como pagamento voluntário de impostos e financiamento de serviços básicos por crowdfunding, a Liberland tem atraído atenção de investidores e pedidos de cidadania de todo o mundo.

Até o momento, no entanto, nenhum cidadão vive no país autoproclamado. Os apoiadores defendem a tese de que o território da Liberland era terra nullius ; área não reivindicada por nenhum outro Estado ;, mas policiais croatas fiscalizam a região periodicamente, e estrangeiros que tentam se fixar são detidos por invasão.



Foi o que aconteceu em maio com Jedlicka e dezenas de membros da Associação de Assentamentos da Liberland (LSA, da sigla em inglês), organização sem fins lucrativos que é a força motora do novo país. O brasileiro Crom, 41, está entre os membros da LSA detidos recentemente. Natural de São Paulo, Crom abandonou o nome de batismo e viaja pelo mundo desde abril do ano passado. Acompanhado pela namorada holandesa Valine Veerman, ele chegou ao país no começo de maio e logo se interessou pelos ideais do micrestado, tornando-se o único brasileiro a trabalhar diretamente em favor dos assentamentos. ;O que mais me atrai aqui é que, diferente dos outros países, na Liberland o Estado não é carcerário, não espreme o cidadão, mas respeita as liberdades;, destacou.

Crom foi detido em 5 de julho, quando entrou no território da Liberland de barco, pela fronteira com a Sérvia. Impedido de deixar a Croácia, ele conversou por telefone com o Correio antes comparecer a uma audiência, no último dia 14. O brasileiro reclamou da truculência da polícia e adiantou que pretendia voltar ao local onde fora apreendido para testar a resposta croata. ;Se eu não posso deixar o país e for preso na Liberland, automaticamente eles reconhecem que o trecho não pertence à Croácia;, argumentou.

Detido pela segunda vez na véspera da audiência, Crom foi condenado a 58 dias de prisão por cinco violações diferentes, informou a LSA. Entre os crimes estão a tentativa de entrar ilegalmente na Croácia e a violação da prisão domiciliar, por tentativa de deixar o país. O Itamaraty confirmou a prisão do brasileiro e disse que acompanha o caso.

Crescimento

Ao ouvir sobre a iniciativa de Jedlicka, o empresário suíço Niklas Nikolajsen reconheceu imediatamente uma oportunidade de investimento. Ele consultou seu advogado pessoal para esclarecer o status do território e rapidamente organizou uma expedição para o local. Após reunir-se com Jedlicka, decidiram criar a LSA, organização que passou a ser dirigida por Nikolajsen. Um dos maiores investidores e idealizadores no projeto, o suíço rejeita críticas e piadas sobre o futuro da Liberland e reforça que a iniciativa é uma chance de ;fazer algo positivo e deixar uma marca; no mundo. ;Liberland é um movimento, mais do qualquer outra coisa;, explicou, em entrevista por telefone.



Segundo os fundadores, o micropaís se define como o terceiro menor Estado europeu. Eles defendem a Liberland como uma ;aventura econômica; e argumentam que as oportunidades criadas por ele serão uma possibilidade de crescimento para além das fronteiras que reivindicam. ;Há uma ideia de que a Liberland é uma ameaça para os interesses nacionais croatas, mas acho que temos argumentos convincentes sobre como o país é, na verdade, uma vantagem para todos;, sustenta Nikolajsen. O suíço comemora as poucas chances que já teve de conversar com autoridades de Zagreb e diz aguardar novas possibilidades de diálogo para que possa defender a ideia do microestado.

Divulgação

Dos quase 400 mil pedidos de cidadania recebidos desde abril, cerca de 40% vem do Oriente Médio, mas a possibilidade de fazer parte de um novo país também desperta interesses na América do Sul. A venezuelana D.T. Eidelman, 32 anos, é uma das responsáveis pela representação da Liberland em Caracas, a primeira da região. D.T., que optou por usar um codinome após receber ameaças de venezuelanos que acusaram a equipe de cinco voluntários de serem ;peões da ultradireita;, destaca a filosofia libertária do grupo e argumenta que ;está na hora de inovar nossas formas de organização política;. ;Com território ou sem, a Liberland existe;, comemora. ;Isso é o que importa para nós, que nunca deixemos de trabalhar pelo direito de indivíduos de se organizarem pacificamente e criarem suas próprias regras;, resume.

Com um site bem organizado e diversas páginas em redes sociais, a LSA faz campanha constante para divulgar o país e atrair membros que se identifiquem com os ideais do grupo. O contato direto com autoridades e figuras públicas no exterior fica sob responsabilidade de Jedlicka, que depois de um giro pela Europa, visitou os Estados Unidos, no mês passado. Datas comemorativas e eventos públicos também fazem parte da estratégia. Em 4 de julho, os fundadores do país comemoraram a independência da Liberland, uma forma de homenagear os Estados Unidos, que celebram na mesma data a declaração de independência da Grã-Bretanha. No próximo fim de semana, Jedlicka e colaboradores conversarão com interessados e curiosos em um festival cultural em uma vila sérvia às margens do rio Danúbio.