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Costumes milenares colocam em risco a vida de milhares de pessoas

Entre as superstições, estão a perseguição a albinos e a prática do estupro de virgens como arma contra o vírus da Aids

Rodrigo Craveiro
postado em 02/08/2015 11:32

Crianças com albinismo reunidas em escola patrocinada pela ONG Under the Same Sun, em Geita, na Tanzânia: medo constante de ataques

Quando tinha 6 anos, a zimbabuana Muzvare Betty Makoni, 44, foi violentada pelo dono de uma mercearia, na cidade de Chitungwiza, sob o pretexto de que o sexo com uma menina intocada o faria rico. Vítima de uma crença arraigada em países da África e da Ásia, Muzvare tornou-se ativista e passou a se confrontar com outro mito catastrófico: o de que relações sexuais com virgens destruiriam o HIV, o vírus da Aids, e curariam a doença. Por pouco, a bancária tanzaniana Neema Eliakimu Laizer, 26, escapou de uma perigosa tradição, disseminada em sua tribo, massai, e em 27 nações africanas. ;Graças a Deus, meus pais não me submeteram à mutilação genital feminina, prática comum na região do Lago Vitória e entre os massais;, afirmou ao Correio.

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Em Dar es Salaam, Yasin Juma traz na pele e na alma o medo de ser desmembrado. ;Uma amiga dormia no quarto dela, em um vilarejo de Shinyanga, quando caçadores invadiram o local, por volta das 2h, trancaram as portas e amputaram-lhe as mãos;, relatou à reportagem o estudante de 23 anos, portador de albinismo. Na Tanzânia, leste da África, 33 mil albinos são alvos de curandeiros que receitam pedaços de corpos dessas pessoas, como prescrição para atrair riqueza e sorte. Tanto os governos quanto organizações civis e a ONU se esforçam para combater superstições que colocam vidas em risco.

Don Sawatzky, diretor de operações da ONG tanzaniana Under the Same Sun (;Sob o Mesmo Sol;, UTSS), admite que o estigma e a discriminação contra pessoas com albinismo são endêmicos na cultura africana. ;A maior parte das lendas e dos mitos, abundantes, reduz essas pessoas a fantasmas, a seres mágicos e a maldições. Em raras ocasiões, a discriminação é revertida, e elas são ;divinizadas;, transformadas em deidades. Quase nunca desfrutam do status normal de seres humanos;, lamenta ao Correio, por e-mail. De acordo com o ativista, em 25 países da África acredita-se que pedaços dos corpos delas emanam poderes mágicos, caso sejam convertidos em amuletos ou talismãs por curandeiros. ;Eles creem que possam tornar alguém próspero, poderoso ou sortudo no trabalho, no amor ou na vida;, diz.

Muitas nações têm histórico de desaparecimento de pessoas com albinismo; elas são raptadas, mutiladas e mortas por colegas, familiares e vizinhos. ;Nesses 25 países, registramos 403 ataques, incluindo 155 assassinatos. Na Tanzânia, quase todos os atentados ocorrem com machete (facão de dorso serrilhado, com lâmina em aço afiada). As partes do corpo são arrancadas com a vítima ainda viva, atendendo ao pedido do curandeiro;, comenta Sawatzky.

Purificação
Muzvare Makoni não esconde a preocupação ante as crenças de que a Aids esteja ligada à imoralidade ou de que o sangue de uma virgem possua propriedades de cura. ;A superstição começou há anos. As pessoas creem que misturar o sangue a certas ervas e consumir a mistura pode debelar o HIV;, explica a ativista zimbabuana. Segundo ela, o mito ligado à Aids e ao estupro de virgens surgiu nos anos 1990. ;O primeiro caso que recebi foi o de uma menina infectada pelo pai em Hwange, no Zimbábue. Um curandeiro disse a ele que, se fizesse sexo com a filha, seria curado da Aids. Ele estuprou a menina de 6 anos, a contaminou e foi preso;, lembra. A ativista acompanhou o processo. ;Em minha cidade, uma média de seis garotas relataram estupros por dia. A cada quatro denúncias, os autores do crime eram pais, filhos, tios ou professores soropositivos.; Ela chegou a lidar com o caso de um pai que violentou as três filhas no desespero de ficar livre da Aids.

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