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Cristãos iraquianos engrossam milícias para derrotar Estado Islâmico

Eles sofrem grande perseguição desde a queda do regime de Saddam Hussein, em 2003

Bagdá, Iraque - Com cruzes de madeira no pescoço e outros símbolos religiosos tatuados nos braços, vários cristãos iraquianos estão fazendo treinamento nas milícias populares para tentar recuperar seu território das mãos do grupo jihadista Estado Islâmico (EI).

Há um ano, o EI lançou uma esmagadora ofensiva no norte do Iraque, com a qual conseguiu controlar Mossul, a segunda cidade mais importante do país, assim como várias localidades próximas, na província de Nívive. Nessa região, há uma significativa minoria cristã.

Na época da invasão, os moradores tiveram a opção de se converter ao Islã, ou pagar uma taxa para poderem praticar sua fé, sob a ameaça de serem executados.

Milhares deles fugiram, mas alguns decidiram se defender e, agora, estão recebendo treinamento para lutar em uma base militar perto de Bagdá. Lá, um grupo de combatentes xiitas ensina os interessados a usar um kalashnikov e quais são as manobras básicas de combate.

Os cristão conservam suas tradições mesmo nesse cenário e, quando marcham de uniforme de combate no deserto, entoam o "Ya Mariam", o hino em árabe para adorar a Virgem Maria.

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"Nossas crianças estão morrendo, nossa família cristã está sendo deslocada. Como podemos aceitar que as pessoas digam que os cristãos não estão lutando? Ao contrário, queremos lutar onde for", afirma o cristão caldeu Frank Samir, de 17 anos, que se alistou como voluntário.

Samir é originário de Bagdá, mas a maioria dos cristãos da unidade "O livro da Babilônia" é de Mossul.

O ataque do EI foi o último de uma série de duros golpes aos cristãos iraquianos, muito perseguidos desde a queda do regime de Saddam Hussein em 2003.

Duas semanas de treinamento


"Não hesitei em me oferecer como voluntário com meus irmãos para combater o EI", conta Fares Isa, de 38.

"Vou continuar a combatê-los até a libertação de Mossul e até sua expulsão final de todos os territórios iraquianos", acrescenta ele.

Antes do conflito, Fares Isa era vendedor de automóveis em Mossul.

No campo de treinamento, há símbolos cristãos e muçulmanos, incluindo uma grande cruz pendurada na parede, cartazes que dizem "Deus é grande" e "Só Deus existe".

O treinamento dura duas semanas e está em sua nona turma. Esse período é muito curto, porém, para transformar novos recrutas em experientes combatentes capazes de enfrentar a ameaça jihadista.

"O principal objetivo é formar um contingente para libertar Mossul", explica o secretário-geral da unidade "Livro da Babilônia", Rayan al-Kaldani.

Kaldani fez parte das operações para libertar Tikrit e também lutou em Baiji, na província de Saladino, ao norte de Bagdá.

Os cristãos lutarão sob o comando de Abu Mahdi al-Mohandis, um dos chefes das Unidades de Mobilização Popular, que reúnem vários grupos armados. Neles, estão principalmente efetivos xiitas.

Agora, é com essas milícias xiitas apoiadas pelo Irã que o governo de Bagdá conta. No ano passado, as Forças Armadas iraquianas sofreram fragorosas derrotas frente ao EI.

Segundo outro comandante da unidade, que pediu para não ser identificado, "há centenas de cristãos combatendo em várias áreas de Saladino".

Um homem que se identificou como Haji Ali, líder de uma das unidades que supervisionam o treinamento, explicou que os eixos do "curso" são o combate em espaços fechados, a guerra de guerrilhas e os confrontos dentro das cidades.

"Estamos com a atenção voltada para Mossul e para as áreas ocupadas pelo EI", disse Ali.

Para os voluntários, Mossul é a meta, mas a luta não restringe a essa cidade.

"Mossul é nosso principal objetivo", afirmou Raymun Salwan, 16 anos, que foi deslocado da cidade, garantindo que continuará lutando "em qualquer lugar do Iraque".