Paris, França - O governo da França considerou nesta quarta-feira (24/6) inaceitável a espionagem dos Estados Unidos aos três últimos chefes de Estado franceses, revelada na terça-feira pela imprensa, e convocou a embaixadora de Washington em Paris para pedir explicações. O presidente François Hollande, que presidiu nesta quarta-feira uma reunião urgente do Conselho de Defesa, advertiu que a França "não tolerará nenhum ato que questione sua segurança".
Hollande conversará por telefone com o presidente americano Barack Obama, segundo parlamentares franceses que se reuniram com o chefe de Estado. Paralelo a isso, o governo francês anunciou que o coordenador de inteligência Didier Le Bret viajará nos próximos dias a Washington para abordar o tema da espionagem. Bret fará um balanço do conjunto dos dispositivos acordados pela França e os Estados Unidos em termos de espionagem, afirmou o porta-voz do governo, Stéphane Le Foll.
[SAIBAMAIS]Na terça-feira, o jornal Libération e o site de notícias Mediapart publicaram documentos sobre a espionagem americano, vazados pelo WikiLeaks, que prometeu novas revelações. A embaixadora dos Estados Unidos na França, Jane Hartley, foi convocada nesta quarta-feira à tarde pelo chanceler francês Laurent Fabius, informaram fontes diplomáticas.
A oposição de direita também manifestou sua indignação, ao denunciar um comportamento "grave" por parte dos Estados Unidos, que seria uma "ruptura do pacto de confiança" entre dois antigos aliados. Segundo os documentos divulgados por Libération e Mediapart, o serviço secreto americano espionou, entre 2006 e 2012, os três últimos chefes de Estado franceses: Hollande, eleito en 2012, e seus dois antecessores, Nicolas Sarkozy (2007-2012) e Jacques Chirac (1995-2007).
O ex-funcionário da NSA (Agência Nacional de Segurança) Edward Snowden revelou em 2013 a existência de um vasto sistema de espionagem de conversas telefônicas de vários governantes, incluindo chanceler alemã Angela Merkel e a presidente do Brasil, Dilma Rousseff. As escutas de Chirac, Sarkozy e Hollande por parte da NSA constituem a principal informação, já que o teor dos documentos não apresenta nenhuma revelação de peso. Mas o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, afirmou na terça-feira que em breve fará novas revelações.
A Casa Branca afirmou que os Estados Unidos não espionam as comunicações de Hollande e que é pouco provável uma crise diplomática entre os dois países. "Não temos como objetivo e não teremos como objetivo as comunicações do presidente Hollande", afirmou à AFP Ned Proce, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, que não comentou as supostas operações da NSA que teriam ocorrido no passado. "Trabalhamos estreitamente com a França em todos os assuntos de preocupação internacional e os franceses são sócios indispensáveis", completou.
Condenação unânime
Hollande se reuniu nesta quarta-feira com o Conselho de Defesa, que inclui o primeiro-ministro Manuel Valls, o chanceler Laurent Fabius e os ministros da Defesa e do Interior, respectivamente Jean-Yves Le Drian e Bernard Cazeneuve, ao lado de comandantes militares e dos chefes da inteligência.
A condenação aos atos de espionagem foi unânime no cenário político francês, tanto da esquerda quanto da direita. O ex-presidente Nicolas Sarkozy, hoje líder da oposição de direita, não fez declarações, assim como Jacques Chirac.
Mas o senador François Baroin, ex-ministro da Economia de Sarkozy, pediu uma resposta forte do presidente Hollande. "Este assunto é escandaloso. Temos que pedir explicações muito claras", disse.
"Como pode pisar nas liberdades individuais um país que diz defendê-las?, questiona o governista Partido Socialista.
A presidente da Frente Nacional (extrema-direita), Marine Le Pen, e o líder da esquerda radical Jean-Luc Mélenchon pediram o fim das negociações da União Europeia com os Estados Unidos sobre o tratado de livre intercâmbio.
As revelações sobre a espionagem americana acontecem no momento em que a França pretende aumentar a autorização legal para escutas dos serviços de inteligência, como parte de uma lei polêmica apresentada ao Parlamento.
Revelações sobre os presidentes franceses:
- François Hollande -
- Nota de 22 de maio de 2012: Durante uma conversa com o então primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault, em 18 de maio de 2012, poucos dias depois de sua posse como presidente, a NSA indica que Hollande teria "aceitado a realização de reuniões secretas em Paris para discutir a crise da zona do euro, e em particular sobre as consequências de uma saída da Grécia" do bloco com o Partido Social-Democrata (SPD) da Alemanha, então na oposição ao governo da chanceler Angela Merkel. Ayrault teria expressado preocupação com a possibilidade de Merkel ser informada.
Hollande teria ficado decepcionado após a primeira reunião com Merkel, considerada como algo "puramente para o espetáculo" e sem "nada substancial". Hollande teria apontado também a preocupação com a Grécia e os gregos por conta da inflexibilidade da chanceler.
- Nicolas Sarkozy -
- Nota de 30 de outubro de 2008 (Mediapart afirma que não é possível "saber até o momento se esta é resultado de escutas, de interceptações ou de conversas com fontes americanas"): "o presidente Nicolas Sarkozy considera que é sua responsabilidade com a Europa e o mundo estar na linha de frente e solucionar a crise financeira. Declarou depois que ele é o único, dada a presidência francesa da UE, que pode iniciar a batalha neste momento. O presidente atribui vários problemas econômicos atuais a erros cometidos pelo governo americano, mas acredita que Washington agora escuta alguns de seus conselhos".
- Nota de 24 de março de 2010 relata um "intercâmbio" entre o embaixador francês em Washington, Pierre Vimont, e um conselheiro de Sarkozy, Jean-David Levitte, a respeito de uma futura reunião entre Sarkozy e Barack Obama em Washington: segundo a nota, Vimont indicou que o presidente francês expressaria "sua frustração com o retrocesso de Washington sobre a proposta de acordo de cooperação bilateral sobre inteligência". Segundo Vimont e Levitte, o principal obstáculo é que os Estados Unidos contam com prosseguir espionando a França.
- Nota de 10 de junho de 2011: Nicolas Sarkozy "afirmou em 7 de junho sua determinação de avançar com uma iniciativa para reativar negociações de paz diretas" entre Israel e os palestinos. Sarkozy teria planejado incorporar a sua iniciativa o presidente russo da época, Dmitri Medvedev, ou dar um ultimato a Obama "a respeito do Estado palestino".
- Jacques Chirac -
- Nota de dezembro de 2006: Jacques Chirac "disse ao ministro das Relações Exteriores Philippe Douste-Blazy em 23 de dezembro para se fazer o necessário para assegurar que então enviado especial da ONU para a aplicação da resolução 1559 do Conselho de Segurança (para que a Síria retirasse as tropas do Líbano) fosse eleito secretário-geral adjunto da ONU".