Londres - O primeiro-ministro britânico, David Cameron, defendeu de forma surpreendente, nesta terça-feira (24/3), a ideia de não concorrer ao terceiro mandato. Ele insistiu que se trata de uma mudança "razoável", mesmo após ser avisado de que o pronunciamento minou sua autoridade, a algumas semanas da eleição.
Numa entrevista exibida pela BBC, na segunda-feira, ele foi ainda mais longe ao indicar três possíveis sucessores no Partido Conservador, ao arriscar uma disputa por liderança que tiraria a atenção da campanha eleitoral.
"Há um momento em que seria bom ver um novo par de olhos, alguém novo. O terceiro mandato não é algo que eu esteja em busca", disse Cameron.
O aparente improviso com que fez essa declaração, na cozinha da residência oficial, situada em Downing Street, foi inesperado, sobretudo se for considerado que a reeleição dele é quase certa na votação de sete de maio.
O Partido Trabalhista, um dos três de oposição, tecnicamente empatado nas pesquisas de opinião, alegou que o primeiro-ministro foi arrogante.
"É típico do David Cameron ser arrogante, a ponto de presumir um terceiro mandato de seu partido, em 2020, antes que se tivesse dado ao público britânico a chance de dar seu veredito na eleição", disse Douglas Alexander, coordenador da campanha do Partido Trabalhista.
Divergência alimentada por partido de coalizão
A direção do partido Liberal Democrata, aliado de Cameron na coalizão liderada pelo Conservador, disse que o premiê estava sendo "inacreditavelmente presunçoso".
Sem fazer campanha na terça, Cameron disse que tinha dado "uma resposta muito direta a uma pergunta muito direta".
"Dizer que você quer governar durante um segundo mandato, por cinco anos, é algo bastante razoável e sensato", afirmou Cameron, que comentou a seguir: "Eu não tenho garantia alguma de que isso vai acontecer".
Analistas alertaram, porém, que Cameron se arriscou ao minar sua autoridade. Vários especialistas foram consultados e avaliam que, mesmo se for reeleito, ele será questionado sobre sua liderança.
"O estopim na disputa interna por liderança", foi a manchete no "The Times".
O analista Matthew Engel escreveu, no "Financial Times": "A percepção de que é provável ele governar por mais cinco anos, assim como Barack Obama, e depois caminhar na direção do horizonte, é inaceitável". Ele acrescentou: "A incompetência já é latente. Será que ele não tirou qualquer lição do longo e desagradável obscurantismo de Tony Blair?".
Blair foi o mais bem-sucedido primeiro-ministro de orientação trabalhista, sendo eleito em três ocasiões, a partir de 1997, mas foi forçado a sair antes do esperado, por imposição do então ministro da Fazenda, Gordon Brown.
O anúncio feito por Blair, em 2004, de que aquele seria seu último ano como primeiro-ministro, foi visto como fatal -- Brown tomou a declaração do rival como o estopim para dar início à sua campanha e tirar Blair do principal cargo executivo no país. Blair renunciou em 2007, após uma década morando na residência oficial.
"Muito barulho por nada", diz prefeito de Londres
Primeira-ministra a ficar mais tempo no posto ao longo do século XX, a líder no Partido Conservador, Margaret Thatcher, disse que gostaria de "continuar por mais e mais tempo", mas foi destituída pelo partido, após governar por 11 anos.
Cameron indicou três possíveis candidatos à sucessão, como Boris Johnson (prefeito de Londres), Theresa May (secretária da Casa Civil) e George Osborne (ministro da Fazenda).
A mulher e os dois homens têm sido aventados para o cargo, mas, em suas declarações, o primeiro-ministro deu mais ou menos ênfase às ambições de cada um dos pretendentes.
Osborne disse que as afirmações do premiê foram "renovadoras", enquanto Johnson lamentou haver "muito barulho por nada".
"Cinco anos é um período muito longo, e tenho certeza de que ele [Cameron] vai cumprir um mandato magnífico nos próximos anos", disse o prefeito londrino, que emendou: "Provavelmente, o próximo líder no Partido Conservador será um bebê não-nascido".