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'Não há desabastecimento na Venezuela', diz Pedro Stédile

Na noite de domingo (8/3), o líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), João Pedro Stédile, visitou Caracas e fez um discurso ácido, ao lado do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. O brasileiro denunciou uma "direita desavergonhada e de m..." e garantiu que não existem filas nos supermercados do país. No dia seguinte, os Estados Unidos anunciaram um pacote de sanções contra autoridades venezuelanas e classificaram a Venezuela de ameaça à segurança
nacional. Stédile falou com exclusividade ao Correio Braziliense sobre a crise:

Por que o senhor decidiu ir até a Venezuela expressar apoio a Maduro?
Fui visitar a Venezuela a convite dos movimentos sociais da Venezuela, em especial movimentos camponeses que pertencem à Via Campesina, e lá fui convidado a participar de diversos espaços públicos massivos onde se analisavam a situação do país. Defender o governo Maduro é defender a democracia. É defender o direito do povo venezuelano a sua soberania nacional. Até hoje, nenhum país do mundo realizou 19 eleições democráticas, com fiscalização das Nações Unidas em apenas 13 anos. E eles já têm mais uma eleição dos parlamentares marcada para o último trimestre desse ano. Aliás, estavam lá, no mesmo período, a pedido da Unasul, uma delegação de três ministros de relações exteriores: Brasil, Colômbia e Equador. A comitiva visitou várias locais, falou com a oposição e chegou à mesma conclusão que eu tive nas ruas. O país vive uma normalidade democrática, com o governo a favor dos mais pobres.

Qual é a situação atual da Venezuela? O país não atravessa grave crise econômica?
A Venezuela enfrenta diversas dificuldades. Algumas estruturais, como sua dependência histórica de uma economia do petróleo. A queda do preço internacional acabou afetando o orçamento. Existem outras dificuldades provocadas pela conjuntura interna. Por exemplo, o governo autoriza a compra de alimentos -- nunca se comprou tanto alimentos no país. Segundo a FAO, a Venezuela é o país da América Latina de maior índice de consumo de alimentos per capita -- mas parte da distribuição interna é ainda controlada por empresas, que manipulam os preços e escondem, especulam com alguns produtos, tentando afetar a psicologia das massas. Com isso, procuram colocar a culpa no governo. Também há um movimento permanente especulativo em torno do dólar. O governo chegou a prender um contêiner carregado de dólares que entrava no país, via máfias colombianas, para ganhar ainda mais com a especulação. Mas a economia está funcionando. Não há desabastecimento e nem vi filas. Ao contrário, vi muito movimento nos shoppings centers e supermercados, com as pessoas comprando de tudo.

O senhor chegou a dizer que não existe uma grave crise econômica na Venezuela. Então, de fato, o que está acontecendo no país?

O que está acontecendo na Venezuela é uma luta de classes aguda, de caráter político e ideológico. Como as elites perderam 18 das 19 eleições realizadas em 13 anos, eles não se conformam. Um setor minoritário, articulado com setores reacionários dos Estados Unidos e com Uribe, da Colômbia, partiu para táticas de terrorismo, promovendo a violência para criar um clima de instabilidade política, e levar a uma situação insustentável. Essa tática de desmoralização do governo vem sendo apoiada fortemente por uma articulação da mídia internacional, em especial da Agência EFE, que representa os interesses direitistas da Espanha, e da CNN espanhola.Ou seja, há um movimento midiático, que não se resume apenas à Venezuela, mas acontece em todos os países da América Latina que querem fazer alguma mudança a favor do povo.

O senhor acredita que a esquerda na Venezuela e na América Latina está em colapso?

O que está acontecendo na América Latina é uma retomada da ofensiva direitista, coordenada por setores das grandes empresas estadunidenses, que querem voltar a controlar as riquezas naturais, o petróleo, minérios, energia elétrica em nossos países, e que tem como aliados setores da oligarquia local que não estão satisfeitos com as mudanças que os governos progressistas estão fazendo em diversos países, com Argentina, Brasil, Bolívia, Equador e Venezuela. Utilizam-se de uma retórica de ataques sistemáticos, usando sua força hegemônica pelo controle que tem dos meios de comunicação. O que os governos progressistas precisam fazer é avançar nas mudanças sociais para termos reformas duradouras e garantia de melhores combinações de vida para a população. Esse embate que está ocorrendo com maior vigor em todo continente. De um lado a burguesia local, aliada aos capitais americanos querendo a volta da Alca, do neoliberalismo. Do outro, a necessidade de aprofundar os modelos de desenvolvimento que ainda não conseguiram completar um ciclo de reformas estruturantes.