Bagdá, Iraque - A Unesco chamou nesta sexta-feira (6/3) de "crime de guerra" a destruição da antiga cidade assíria de Nimrod, no Iraque, pelo Estado Islâmico (EI), o mais recente dos vários atos de vandalismo executados pelo grupo jihadista.
O EI, que no mês passado incendiou a valiosa biblioteca de um museu de Mossul, começou na quinta-feira a destruir com escavadeiras as ruínas assírias de Nimrod, informou o ministério iraquiano o Turismo. O governo de Bagdá acredita que o equipamento de demolição começou a ser levado para região das ruínas na semana passada.
A joia arqueológica, de valor incalculável, fica 30 km ao sudeste de Mossul, um reduto estratégico para os jihadistas, que iniciaram no ano passado uma rápida ofensiva a partir da Síria, assumindo o controle de amplos territórios no Iraque. "Até agora, não sabemos até que ponto a cidade foi destruída", afirmou à AFP um funcionário do governo que pediu anonimato.
[SAIBAMAIS]As ruínas, situadas na bacia do rio Tigre, são as vítimas mais recentes do que parece uma campanha sistemática dos jihadistas para dizimar a rica herança patrimonial do Iraque. "Estou devastado. Mas era uma questão de tempo, agora estamos esperando o vídeo. É triste", disse à AFP Abdelamir Hamdani, um arqueólogo iraquiano da Universidade Stony Brook de Nova York.
A destruição da cidade fundada no século XIII antes de Cristo acontece poucos dias depois da divulgação pelos jihadistas de um vídeo que mostra a destruição de várias esculturas pré-islâmicas.
Una parte dos impressionantes frisos e estátuas colossais de touros alados com cabeças humanas de Nimrod foram deslocados para vários museus em diversos países ao longo do século XIX.
Em 1988, a descoberta de 613 peças de joalheria, ornamentos e pedras preciosas encontradas em uma tumba real foi considerada como uma das maiores descobertas arqueológicas do século XX.
Destruição do patrimônio
"O plano é destruir o patrimônio iraquiano", afirmou Hamdani, que acredita que é lógico pensar que o próximo alvo dos jihadistas será Hatra, uma localidade com 2.000 anos e que também está registrada no catálogo da Unesco.
Hatra, que está muito bem preservada, foi construída com influências helênicas, romanas e incorporando também estilos orientais.
A diretora da Unesco, Irina Bokova, condenou com veemência a destruição de Nimrod. "Não podemos permanecer em silêncio. A destruição deliberada do patrimônio cultural constitui um crime de guerra. Faço um apelo a todos os dirigentes políticos e religiosos da região para que atuem contra este novo ato de barbárie", disse.
Bokova destacou ter informado o presidente do Conselho de Segurança da ONU e o procurador-geral do Tribunal Penal Internacional sobre o tema. Ela apelou ao conjunto da comunidade internacional por uma "união de esforços para interromper a catástrofe". "A limpeza cultural de que é objeto o Iraque não para diante de nada nem de ninguém: tem como objetivo a vida humana e as minorias, além de ser acompanhada pela destruição sistemática de um patrimônio milenar da humanidade", destacou Bokova.
O grupo jihadista EI justifica a destruição do patrimônio cultural com a alegação de que as estátuas podem induzir à idolatria. Mas os analistas destacam a hipocrisia do EI, que apesar de criticar as imagens não vê problema em vendê-las para colecionadores no mercado negro. As estátuas imponentes, impossíveis de transportar, são as destruídas, segundo os especialistas.
A comunidade internacional condenou com veemência as destruições, mas parece relegada a um papel de simples observador, já que não pode atuar nos territórios controlados pelo EI, lamentou o diretor da Unesco Stuart Gibson. "No passado, pressionamos a população local a reconhecer o valor inestimável de seu patrimônio e a necessidade de protegê-lo", disse Gibson. Mas, infelizmente, agora as pessoas estão esgotadas e aterrorizadas, destacou o especialista.
O avanço das tropas iraquianas, com o apoio dos ataques aéreos de uma coalizão internacional, parece provocar um recuo dos jihadistas, o que poderia salvar o que resta do patrimônio.
No entanto, os civis continuam pagando o maior preço do conflito. A Organização Internacional para as Migrações (OIM) informou que 28.000 pessoas foram deslocadas esta semana e se uniram aos 2,5 milhões de iraquianos expulsos de suas casas pela violência.