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Polícia segue pistas de suspeitos e caça autores de atentado terrorista

Os irmãos de origem argelina Chérif e Said Kouachi, de 32 e 34 anos, respectivamente, foram vistos nesta quinta de manhã pelo gerente de um posto de gasolina

Uma perseguição desenfreada acontecia nesta quinta-feira (8/1) na França para capturar os dois irmãos suspeitos de terem cometido o atentado contra a revista "Charlie Hebdo", tendo como pano de fundo o luto nacional e homenagens às vítimas.

Os irmãos de origem argelina Chérif e Said Kouachi, de 32 e 34 anos, respectivamente, foram vistos nesta quinta de manhã pelo gerente de um posto de gasolina ao sul da pequena cidade de Villers-Cotterêts (80 km ao nordeste de Paris), na região administrativa da Picardia.

Segundo uma fonte policial consultada pela AFP, eles agora estariam sem carro, andando "encapuzados e armados com kalashnikovs e lança-foguetes à mostra".

Homens do RAID e do GIGN, unidades de elite da polícia e da gendarmeria francesas, foram mobilizados para essa área, onde o nível máximo de alerta antiterrorista foi decretado. Até o momento, apenas a região parisiense se encontrava sob esse status.

Usando capacetes e uniformes pretos, os policiais patrulhavam as estradas, fazendo controle de veículos, além de revistarem os jardins das casas e as ruas do cidade, de acordo com imagens transmitidas pelas emissoras de televisão locais. Helicópteros também sobrevoavam a região.

"A prioridade é perseguir e deter os terroristas que cometeram este atentado. Milhares de policiais, gendarmes e investigadores estão mobilizados", declarou o primeiro-ministro francês, Manuel Valls.

Nove pessoas ligadas aos dois suspeitos foram detidas e estão sendo interrogadas, informou nesta quinta-feira o ministro francês do Interior, Bernard Cazeneuve. De acordo com o ministro, Said Kouachi foi "formalmente reconhecido em uma foto como o agressor", e várias batidas foram feitas em sua casa em Reims (nordeste da França).

A dupla foi identificada depois que os investigadores encontraram o documento de identidade de um deles no carro usado para praticar o atentado. Na fuga, o veículo foi abandonado pelos agressores.

Cazeneuve contou ainda que Chérif foi descrito por seus cúmplices "como violentamente antissemita". Ele já havia sido condenado em 2008 a três anos de prisão, sendo um ano e meio de condicional, por participação em uma rede de envio de combatentes ao Iraque para abastecer a rede Al-Qaeda.

A hipótese de terrorismo islâmico, adotada na investigação, rapidamente considerada depois que os agressores gritaram "Allah Akbar", foi reforçada pela descoberta de uma bandeira jihadista e de vários coquetéis molotov no carro abandonado em Paris, ao fugirem, na quarta-feira.

Já a condição de islamita de seu suposto cúmplice, Hamyd Mourad, de 18 anos, foi colocada em xeque nesta quinta pelos testemunhos de vizinhos e companheiros de turma. Segundo esses depoimentos, Mourad esteve na escola de Ensino Médio, onde estuda "toda a manhã de quarta-feira", e que "não tem nada a ver" com os fundamentalistas muçulmanos.

Desde a tarde de ontem, vários locais de culto muçulmanos foram alvo de ataques em diferentes cidades da França, prováveis atos de vingança pelo atentado contra a revista. A polícia, que prefere não estabelecer qualquer vínculo formal entre os incidentes e o atentado de quarta-feira, busca um homem que feriu gravemente duas pessoas em um subúrbio do sul de Paris. Uma delas, uma policial, morreu pouco depois.

Uma nova reunião governamental de crise foi realizada pela manhã no Palácio do Eliseu, comandada pelo presidente François Hollande.

Na noite desta quinta-feira, milhares de pessoas voltaram a se reunir na praça da República, em Paris, e também em outras cidades da Europa, de Lisboa a Moscou, para homenagear as vítimas do ataque.

A prefeita de Paris, Anne Hidalgo, e o conjunto das forças políticas do Conselho de Paris convocaram um ato silencioso - mas as palavras de ordem não demoraram a aparecer.

O atentado contra a "Charlie Hebdo", o mais letal cometido na França em meio século, já tinha levado mais de 100 mil pessoas às ruas em diferentes cidades francesas na tarde de quarta-feira e também provocou indignação no mundo todo.

Minuto de silêncio
Nesta quinta-feira, a França estava de luto nacional e foi feito um minuto de silêncio em todo o país, às 11h00 GMT (09h00 de Brasília), a pedido do presidente Hollande.

Do Palácio presidencial, ao metrô parisiense, passando por ministérios, Parlamento, imprensa e escolas, o país inteiro participou da homenagem. Na capital, o metrô parou por um minuto, e a Igreja Católica, alvo frequente das sátiras do "Charlie Hebdo", ressonou os sinos da catedral Notre-Dame de Paris.

As bandeiras tremularão a meio pau por três dias, e uma grande manifestação está prevista para o próximo domingo em Paris. Participarão do ato associações e partidos de esquerda e direita.

"Barbárie", "Guerra contra a liberdade", "A liberdade assassinada": os jornais franceses e europeus fizeram eco nesta quinta-feira na primeira página ao horror provocado pelo atentado.

Nos jornais franceses, fundos pretos e desenhos prestavam homenagem às vítimas. As palavras "Todos somos Charlie" eram utilizadas frequentemente. Na capa do "Le Monde", a manchete estampava "O 11 de Setembro francês".

O ataque contra o "Charlie Hebdo" deixou 12 mortos, entre eles dois policiais, e 11 feridos. A redação da revista foi dizimada, já que entre os mortos figuram vários de seus principais cartunistas. Ainda assim, a equipe do "Charlie Hebdo" anunciou que a revista voltará a circular na próxima semana.

De acordo com o advogado do veículo, "Charlie" será publicado na próxima quarta-feira, com tiragem excepcional de 1 milhão de exemplares, contra os habituais 60 mil. A ministra francesa da Cultura, Fleur Pellerin, disse querer desbloquear um milhão de euros para o "Charlie Hebdo". Vários jornais também ofereceram ajuda.

"É uma situação muito difícil, estamos todos com nossas aflições, nossa dor, nossos medos, mas vamos fazer de qualquer jeito, porque a estupidez não vai vencer", declarou um de seus colaboradores, Patrick Pelloux.

"Charb (diretor da publicação, morto na quarta-feira no atentado) sempre dizia que a revista tem de sair, custe o que custar", acrescentou.

Entre as 12 vítimas do ataque figuram cinco cartunistas do semanário - Charb, Wolinski, Cabu, Tignous e Honoré - e o economista Bernard Maris.

Unidade nacional
"A unidade nacional é a única resposta possível", reiterou Manuel Valls, convocando os franceses a não ter medo diante de uma "ameaça terrorista sem precedentes".

Em uma atmosfera de união em todo o país, François Hollande recebeu nesta quinta-feira no Eliseu seu antecessor e ex-rival Nicolás Sarkozy, chefe do partido opositor de direita UMP. O presidente também receberá na sexta-feira a líder da ultradireitista Frente Nacional, Marine Le Pen, e outros líderes políticos.

No próximo domingo, 11 de janeiro, os ministros do Interior europeus e dos Estados Unidos vão se reunir em Paris para coordenar a luta contra o extremismo islâmico, anunciou o ministro Cazeneuve. Nesse mesmo dia, haverá uma manifestação em protesto ao atentado.

Os líderes de diferentes religiões denunciaram a tragédia.

Representantes da comunidade muçulmana da França pediram nesta quinta-feira aos imãs de todas as mesquitas do país que "condenem duramente a violência e o terrorismo" na oração de sexta-feira.

Já o papa Francisco rezou nesta quinta-feira em sua missa matinal pelas vítimas do atentado.

"O atentado de ontem em Paris nos faz pensar em toda essa crueldade, essa crueldade humana; nesse terrorismo, seja um terrorismo isolado, ou o terrorismo de Estado. A crueldade da qual o homem é capaz", declarou o sumo pontífice na missa diária que celebra na residência de Santa Marta, e que dedicou às vítimas.

"Rezemos agora pelas vítimas desta crueldade. Tantas vítimas! E rezemos também pelas pessoas cruéis, para que o Senhor converta seus corações", acrescentou.

O ataque provocou uma onda de reprovação unânime no exterior, e manifestações ocorreram na Alemanha, Espanha e Grã-Bretanha, entre outros países.

O atentado ocorreu às 11h30 (08h30 de Brasília) quando os homens, encapuzados e com uma atitude decidida que parecia indicar treinamento militar, entraram no edifício-sede da Charlie Hebdo a tiros. Na saída, seguiram disparando contra os policiais que chegaram ao local do incidente, matando um deles a sangue frio.

Segundo testemunhas citadas pela polícia e imagens gravadas por cinegrafistas amadores, os agressores gritaram "Vingamos o profeta Maomé" e "Matamos Charlie Hebdo", antes de fugir.

Um jornalista que trabalha em frente ao "Charlie Hebdo" relatou ter visto "corpos no chão, poças de sangue" no local do atentado.