Washington- O presidente Barack Obama deu, nesta quarta-feira (17/12), um passo histórico ao anunciar a normalização das relações com Cuba, deixando para trás mais de meio século de confrontos e sanções entre os dois países.
"Dei instruções ao secretário (de Estado John) Kerry para que inicie de imediato discussões com Cuba para restabelecer relações diplomáticas que estão interrompidas desde janeiro de 1961", afirmou Obama em um discurso pronunciado na Casa Branca.
Em consequência desta instrução, afirmou Obama, "os Estados Unidos vão restabelecer uma embaixada em Havana e altos funcionários visitarão Cuba". "Na mudança mais importante de nossa política em mais de 50 anos, poremos um ponto final a uma abordagem obsoleta, que, por décadas, fracassou em defender nossos interesses, e começaremos a normalizar as relações entre os dois países", acrescentou.
"Somos todos americanos", enfatizou Obama falando neste ponto em espanhol. Em uma nota oficial, Kerry informou que a subsecretária para o Hemisfério Ocidental (América Latina e Caribe), Roberta Jacobson, viajará em janeiro a Cuba para iniciar as discussões. "Espero ser o primeiro secretário de Estado a visitar Cuba em mais de 60 anos", declarou.
Obama também revelou ter instruído Kerry a "revisar a designação de Cuba como estado que patrocina o terrorismo", apesar de ressaltar que esta revisão será realizada de acordo com a legislação vigente.
Isolamento
O presidente Obama admitiu que existe uma história difícil entre os Estados Unidos e Cuba, mas se declarou disposto a iniciar "um novo capítulo". Obama recordou que nasceu em 1961, depois que os dois países já haviam rompido relações diplomáticas, e pouco antes que os Estados Unidos oferecessem apoio a uma invasão a Cuba por parte de milicianos cubanos, o que terminou em desastre.
[SAIBAMAIS]"Estes 50 anos mostraram que o isolamento não deu certo", destacou. Em seu histórico discurso, Obama admitiu que o embargo imposto durante décadas está agora "codificado na legislação americana". Mas expressou sua confiança de "poder envolver o Congresso em um debate honesto e sério sobre a suspensão do embargo".
De acordo com o chefe de Estado americano, não serve aos interesses dos Estados Unidos nem dos cubanos "empurrar Cuba para o colapso". "Inclusive, se isso funcionasse, algo que não aconteceu em 50 anos, aprendemos que os países têm mais oportunidades de transformação se seu povo não for submetido o caos".
Obama afirmou, ainda, que para os dois países "um futuro de mais paz, segurança e desenvolvimento democrático é possível se trabalharem juntos para proteger os sonhos de nossos cidadãos". Segundo ele, a Casa Branca decidiu por estas mudanças "porque é o correto".
O presidente americano também mencionou detalhes da ligação que Obama teve com o líder cubano Raul Castro, um contato sem precedentes em mais de meio século. Nessa conversa, disse Obama, "deixei clara minha convicção de que a sociedade de que a sociedade cubana e seus cidadãos sofrem restrições", mas que isso não impediu que os dois dirigentes concordassem em virar a página e normalizar suas relações.
Em um pronunciamento simultâneo ao de Obama, o presidente cubano, Raul Castro, anunciou que, durante conversa por telefone com o presidente americano, na terça-feira, acertou "o restabelecimento das relações diplomáticas" com os Estados Unidos, lamentando, no entanto, que ainda seja mantido o "bloqueio" econômico sobre a ilha.
"Acertamos o restabelecimento das relações diplomáticas. Isto não quer dizer que o principal tenha sido resolvido: o bloqueio econômico", disse Raul, que confirmou, também, a libertação de três agentes cubanos presos nos Estados Unidos, assim como as do funcionário terceirizado do governo americano Alan Gross e de um "espião de origem cubano" a serviço de Washington em Cuba.
"Chegaram hoje à nossa pátria Gerardo (Hernández), Ramón (Labañino) e Antonio (Guerrero)", os três cubanos que continuavam presos nos Estados Unidos, dos cinco agentes detidos em 1998 e condenados a longas penas de prisão por espionagem. Raul Castro expressou que a decisão de Obama de mudar a política em relação a Havana depois de meio século merece "respeito e reconhecimento do povo cubano".
Mediação papal
Tanto Obama quanto Raul Castro fizeram questão de agradecer ao papa Francisco pela ajuda que o pontífice deu no processo de aproximação dos dois países. Imediatamente, o Vaticano anunciou que Francisco expressou sua grande satisfação pela decisão histórica de Cuba e dos Estados Unidos de restabelecer relações diplomáticas, confirmando a mediação pessoal do santo padre.
Em um comunicado, o Vaticano confirmou o envio de duas cartas do Papa ao presidente Raul Castro e a Barack Obama. Também confirmou que o Vaticano recebeu delegações dos dois países em outubro. O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, por sua vez, saudou calorosamente a decisão de Washington e Havana e ofereceu a ajuda da ONU.
"As Nações Unidas estão prontas para ajudar esses dois países a desenvolver suas relações de boa vontade", afirmou Ban em coletiva de imprensa. A Organização de Estados Americanos (OEA) também saudaram o histórico anúncio desta quarta. Em Miami, cidade americana onde vive a maior parte dos cubanos refugiados, Obama foi criticado por fazer concessões a Havana.
"É uma traição", disse à AFP o cubano Evelio Montada, de 70 anos, na conhecida Calle 8 de Little Havana, por muito tempo epicentro da vida cubana em Miami, na Flórida (sudeste dos EUA), onde várias pessoas se reuniam, sobretudo idosos, para conversar sobre o acontecimento histórico do dia.
Os pronunciamentos de Obama e Raul Castro aconteceram depois que as autoridades cubanas anunciaram a libertação do prisioneiro americano Alan Gross ante um pedido de caráter humanitário feito pelos Estados Unidos.
O americano de 65 anos cumpriu 5 de uma pena de 15 anos de prisão por "ameaças à segurança de Estado". A situação de Gross, detido em 2009 e condenado em 2011, era vista como o principal obstáculo para uma normalização das relações entre os dois países.
Gross foi libertado em troca dos três agentes cubanos que cumpriam penas nos Estados Unidos. Cuba também concordou em libertar 53 presos políticos e essas libertações já teriam começado, segundo informou um funcionário americano.