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Começa semana decisiva na elaboração de pacto climático para 2015

Após uma primeira semana de negociações entre as delegações de 195 países, espera-se que agora a conferência dê uma reviravolta política



Lima
- As negociações da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP20) em Lima entraram esta segunda-feira na semana decisiva para avançar em direção a um novo pacto global em 2015 que esteja à altura do desafio que representa o aquecimento global.

Após uma primeira semana de negociações entre as delegações de 195 países, espera-se que agora a conferência dê uma reviravolta mais política, com a chegada, a partir de terça-feira, de ministros e do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.

Os países devem assumir compromissos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa a fim de alcançar a meta da ONU de limitar a 2 graus Celsius o aquecimento global no final do século. A temperatura média da Terra já subiu 0,8; C com relação à era pré-industrial.

Sobre o tabuleiro estão as perguntas de como os países desenvolvidos vão assumir sua responsabilidade sobre o aquecimento do planeta e se concederão ajuda aos países em desenvolvimento para mitigar os efeitos das mudanças climáticas.

"Se continuarmos agindo como fizemos até agora, poderemos mudar drasticamente a relação entre os seres humanos e o planeta. Poderemos assistir a migrações maciças de centenas de milhões de pessoas", destacou, em um novo informe, o economista Nicholas Stern, especialista em mudanças no clima.


Esforços insuficientes

O nível atual das emissões de gases levaria a um aumento nas temperaturas de entre 4;C e 5;C até 2100, uma perspectiva que pode causar problemas de segurança alimentar e acesso à água potável, assim como eventos climáticos extremos.

Antes da conferência, Estados Unidos, China e União Europeia ofereceram medidas adicionais para reduzir suas emissões, mas mesmo que estas sejam aplicadas, o aumento das temperaturas até o fim do século deve atingir 3;C. Este cenário é melhor do que o proposto até agora, mas ainda é insuficiente, segundo relatório da organização Climate Action Tracker (CAT), conhecido nesta segunda-feira.

A CAT diz que agora outros grandes emissores de carbono, como a Índia, deveriam anunciar seus planos de redução e adverte que, de 22 países que foram analisados, "muito poucas promessas são consistentes com a limitação do aquecimento global abaixo dos 2; C".

Neste sentido, o representante americano, Todd Stern, se disse favorável a diferenciar as responsabilidades de cada um dos países, mas fez um apelo a atualizar as categorias nas quais são classificados.

"O mundo não para, o mundo mudou de forma dramática", disse Stern em coletiva de imprensa, ao destacar que os países que não foram incluídos em 1992 na categoria de importantes emissores de gases de efeito estufa atualmente atingem níveis inclusive superiores àqueles que já tinham sido classificados.

Da mesma forma, o delegado europeu para o clima, Miguel Arias Cañete, expressou que, apesar de reconhecer "a necessidade de respeitar os princípios da convenção para a diferenciação, não estamos de acordo com uma interpretação rígida".

"Neste assunto, o mundo de 2015 ou de 2020 não é o de 1992", destacou.
Tempo de agir

Depois de uma semana de discussões em Lima, as organizações não governamentais se mostravam inquietas diante da lentidão para desenhar uma visão compartilhada das ações que serão realizadas.

"Infelizmente, os negociadores parecem ter esquecido que estão aqui para enfrentar uma emergência planetária", disse Tasneem Essop, do grupo ambientalista WWF.

"Este é o momento para que os negociadores passem para a ação e impeçam que o debate se afunde", assegurou Romain Benicchio, da associação Oxfam Internacional.

E não só as ONGs fizeram chamados de alerta. O ministro italiano do Meio Ambiente, Francesco Le Camera, pediu que se dê um impulso às negociações, especialmente no que diz respeito ao financiamento e à adaptação.

"Temos apenas doze meses antes de (a conferência de) Paris. É muito importante avançar ao máximo nos dias que nos restam", disse à imprensa.

Paralelamente à conferência, organizações indígenas latino-americanas começaram a se concentrar em Lima na defesa da conservação e de seus territórios.

Nesta segunda-feira, representantes da Articulação de Povos Indígenas do Brasil protestaram contra o governo da presidente Dilma Rousseff por uma proposta sobre a demarcação de suas terras que deve ser votada esta semana no Congresso.

"O Brasil apresenta aqui metas ambiciosas para a redução de emissões, mas na prática é o contrário: autoriza o desmatamento e a presença de hidrelétricas", afirmou a líder indígena Sonia Guajajara.

Uma grande manifestação está prevista para a quarta-feira, com a liderança do presidente boliviano, Evo Morales.


Desafio da adaptação

A espinhosa questão do financiamento já prometido até 2020 complica as discussões, pois o mapa do caminho para que os países desenvolvidos aportem até então US$ 100 bilhões anuais para conter os efeitos do aquecimento global que eles geraram ainda está por definir.

Além disso, um estudo das Nações Unidas, difundido há poucos dias, alertou que os custos de adaptação dos países em desenvolvimento para enfrentar as mudanças climáticas são muito mais elevados do que o calculado.

Estes custos "poderiam ser aumentados a 150 bilhões de dólares para 2025/2030, e entre 250 bilhões e 500 bilhões de dólares para 2050", segundo a ONU.

A chegada dos ministros à conferência de Lima poderia ajudar a definir alguns temas. Ban instalará na terça-feira o diálogo de algo nível.

"O impacto das mudanças climáticas já se sente, especialmente nos países em vias de desenvolvimento. Portanto, devemos reforçar nossa capacidade de adaptação", afirmou à AFP a negociadora sul-africana Judy Beaumont.

O acordo que se espera firmar na próxima conferência climática da ONU em Paris, em dezembro de 2015, substituirá o protocolo de Quioto (2005-2020), que já tinha fixado como meta limitar as emissões de gases de efeito estufa, mas que foi muito insuficiente.