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Ebola representa um duplo perigo para as grávidas da África ocidental

Serra Leoa tem a taxa de mortalidade natal mais elevada do mundo, com 1,2 mil mortes por 100 mil nascimentos, taxa agravada ainda mais pelo vírus

As mulheres grávidas da África ocidental vivem sob uma dupla ameaça gerada pelo ebola: o medo dos hospitais ou o risco de dar à luz em casa, correndo o risco de contágio.

No centro da capital de Serra Leoa, Freetown, no bairro "Magazine", de onde se veem casebres miseráveis em Susan;s Bay, o pessoal do ambulatório de Mabella lamentava as instalações vazias, em frente à mesquita.

"As pacientes têm medo de nós. Não vêm mais, a menos que estejam realmente doentes", disse sua encarregada, Justina Bangura, exibindo o grande registro amarelo onde estão anotados os nomes das parturientes. "Quarenta e sete partos em julho, 30 em agosto, 25 em setembro e 27 em outubro", disse.

Sua equipe viu passar o número de partos em domicílio de sete, em julho, para catorze em agosto, e 10 em outubro. Sem ignorar que outras puderam fazê-lo sem que se tenha conhecimento.

"Trata-se de explicar às mulheres que correm risco de infecções e morte dando à luz em casa. Mas nos chamam as ;enfermeiras ebola;. Entre julho e agosto, diziam que inclusive injetavam o vírus nelas. As pessoas nos insultam e atiram pedras em nós", diz, emocionada, Eugenia Bodkin.

[SAIBAMAIS]"Até mesmo eu, no começo, tinha medo de tocar nos pacientes, de apalpá-los", disse a enfermeira. "Mas tento convencê-los: estamos ali para salvar vidas".

A mulher, com cerca de 40 anos, chega ao local usando roupas normais e só veste o uniforme no consultório.

Longe do centro da cidade, no bairro de Wellington, as enfermeiras do ambulatório de Kuntorloh encontraram uma forma para evitar o preconceito das pacientes: trabalham vestidas na rua e sem os uniformes de enfermeiras.

"Todos têm medo do ebola", disse Ramatu Kamara, de saia e turbante lilás, mas com luvas de borracha, antes de vacinar Anthony, de dois meses.

"É a razão pela qual não usamos mais uniforme. Do contrário, as mulheres não vêm mais. Dizem que todas as enfermeiras têm ebola, que morrem e que estão mentindo", explica.

Recorde de mortalidade

Segundo o diretor, Musab Sillah, a situação melhorou um pouco após os três dias de confinamento imposto pelo governo a toda a população em setembro, aproveitada pelas agências humanitárias como o Unicef ou a ONG britânica Save the Children, que apoia o ambulatório, para fazer pedagogia porta a porta.

"Mas quando o governo tenta sensibilizar a população em reuniões públicas, isto não funciona em nada", afirmou.


Em outros países, como a Libéria, com frequência, as estruturas sanitárias, superlotadas por causa da epidemia, fecham as portas às mulheres grávidas. Serra Leoa tem a taxa de mortalidade natal mais elevada do mundo, com 1,2 mil mortes por 100 mil nascimentos, taxa agravada ainda mais pelo ebola.

O governo reagiu sancionando os nascimentos em domicílio: 50 mil leões (11 dólares, 9 euros) de multa para as mulheres que violarem a regra. Mas aqui, continua o diretor, se atende sem denunciar as que buscam ajuda após dar à luz.

Depois do parto, em caso de suspeita de ebola, devem imediatamente parar de amamentar os bebês, disse Musab Sillah.

Segundo os cálculos do Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP), 800.000 mulheres darão à luz nos próximos 12 meses nos três países mais afetados pelo ebola; Libéria, Serra Leoa e Guiné.