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Muçulmanos da França se sentem 'irritados' com o EI e a pressão política

A comunidade muçulmana da França é a maior da Europa, com cinco milhões de membros

Indignados e traumatizados, imãs e simples fiéis muçulmanos da França condenaram categoricamente o assassinato por jihadistas na Argélia do refém francês Hervé Gourdel, mas se sentem irritados por ter sido intimados a reagir por políticos e intelectuais críticos do Islã.

"Isso parte o coração, dormo mal. Os que fizeram isso são animais selvagens", denuncia Chagour Khaouther, professora de árabe na região parisiense. "Não posso aceitar que digam que fazem em nome do Islã este tipo de ações", acrescenta.

Assim como ela, vários muçulmanos entrevistados na região parisiense manifestaram seu horror. "Os que fizeram isso não são nem mesmo muçulmanos", afirma Celia Delgado, uma jovem de 22 anos convertida ao Islã. "É bom que as autoridades religiosas, que têm mais peso que nós, convoquem protestos na França", acrescentou.

Os muçulmanos e seus amigos se manifestarão nesta sexta-feira diante da Grande Mesquita de Paris para denunciar os terroristas que, em nome de uma ideologia mortífera, pervertem o Islã, segundo a convocação do Conselho Francês do Culto Muçulmano, a instância representativa dos muçulmanos da França. A comunidade muçulmana da França, a maior da Europa, tem cinco milhões de membros.

Na capital e em muitas outras cidades da França, os líderes de mesquitas denunciaram a barbárie dos assassinos de Hervé Gourdel. No Twitter, a hashtag #PasEnMonNom (não em meu nome) provocou muitas mensagens similares: "Os terroristas não são dos nossos" ou "Sofro com a minha religião". Há um movimento amplo e todas as autoridades são unânimes, disse uma fonte do ministério do Interior.

Suspeitos

Segundo esta fonte, a amplitude da reação se deve à importância da comunidade argelina na França (mais de 1,3 milhão de pessoas). "Os argelinos estão traumatizados realmente por esta execução, que os devolve a 20 anos atrás", quando grupos islamitas deixaram milhares de mortos no país.

Na época, "a mãe de um de meus vizinhos na Argélia foi decapitada", lembrou Fateh Kimouche, fundador do portal muçulmano Al Kanz. "Condeno totalmente estes terroristas, mas considero insuportável que os muçulmanos sejam intimados a reagir", acrescentou Komouche, partidário de um Islã ortodoxo.

Assim que a execução de Hervé Gourdel foi anunciada, várias vozes que pediram aos muçulmanos que "condenassem esse sacrifício" (uma candidata da ultradireitista Frente Nacional às eleições do Senado) ou que "saíssem às ruas para denunciar os bárbaros" (o editorialista do jornal Le Figaro Ivan Rioufol)

"Estas intimações me enojam, já que deixam subentendido que somos suspeitos", estimou Kimouche. "Somos reféns dos terroristas, porque suas principais vítimas são muçulmanas, e também reféns de uma faixa islamofóbica que se aproveita destes crimes para lançar seu ódio".



O Coletivo contra a Islamofobia na França (CCIF) faz uma análise similar e não se uniu aos apelos para se manifestar. "Os muçulmanos não devem fazer o jogo da islamofobia", escreveu.

O jornal conservador Le Figaro provocou polêmica na quinta-feira com uma pesquisa on-line que perguntava aos internautas se consideravam a condenação feita pela comunidade muçulmana à morte de Gourdel suficiente. A consulta foi retirada algumas horas depois.

Estas intimações já foram ouvidas depois do 11 de setembro de 2001 e depois dos atentados cometidos no sul da França por Mohamed Merah em 2012, disse Mohamed-Ali Adraoui, cientista político do Instituto de Ciência Política de Paris.

"Há uma teatralização dos debates ligados ao Islã, apresentando os muçulmanos como muito maus, os jihadistas, ou muito bons, os que os denunciam", sustentou.

Segundo este especialista do Islã, a situação é paradoxal: "quando convém, querem que os muçulmanos sejam simplesmente franceses, e as comunidades são rejeitadas. Mas nesta situação, querem que partam em cruzada como um só bloco".