Jornal Correio Braziliense

Mundo

Israelenses se negam a servir no exército por abusos contra palestinos

Se for confirmada a autenticidade da carta, será uma das expressões de objeção de consciência mais importantes em Israel em muito tempo

Jerusalém - Quarenta e três reservistas israelenses de uma unidade de elite da inteligência militar anunciaram sua decisão de não servir novamente e acusaram o exército de abusos contra os palestinos, em uma carta publicada nesta sexta-feira na imprensa local.

Se for confirmada a autenticidade da carta, publicada no jornal de grande tiragem Yediot Aharonot, será uma das expressões de objeção de consciência mais importantes em Israel em muito tempo.

"Nós, membros da unidade 8200, reservistas mobilizados ou mobilizáveis, declaramos que nos recusamos a participar em ações contra os palestinos e continuar a ser instrumentalizados para reforçar o controle militar sobre os palestinos nos territórios ocupados", escreveram os 43 oficiais e soldados que assinaram uma carta ao primeiro-ministro e chefe do Estado-Maior israelense e transmitida à AFP nesta sexta-feira de forma anônima.

"Não podemos continuar a servir a este sistema, que nega direitos fundamentais a milhões de pessoas, mantendo a consciência limpa", declararam.

Os 43 signatários serviram na unidade 8200, o serviço de inteligência militar mais renomado, explica o jornal. Como reservistas, estes homens e mulheres podem ser convocados às fileiras a qualquer momento.

A carta foi escrita inicialmente antes da guerra na Faixa de Gaza, travada entre julho e agosto. No entanto, o texto final também se refere à falta de discurso público sobre o grande número de civis palestinos mortos durante o conflito, 70% das mais de 2.100 vítimas fatais, segundo a ONU.

NSA israelense


Os signatários questionam ainda a vigilância de milhões de palestinos sem distinção, mesmo em suas vidas privadas.

Os refuseniks (termo utilizado para designar os israelenses que se recusam a servir às Forças Armadas) denunciam a perseguição política que envolve a prática de espionagem; os tribunais militares que realizam julgamentos sem que os palestinos tenham acesso às provas contra eles e as ações que colocam os palestinos uns contra os outros.

Eles atacam de forma mais ampla o regime militar sob o qual milhões de palestinos vivem há mais de 47 anos, bem como a colonização e a hipocrisia de uma política que evoca as necessidades de segurança do Estado israelense.

O exército negou a veracidade das acusações e afirmou em um comunicado que "não recebeu informações sobre as violações específicas mencionadas nesta carta".

O "Manifesto dos 43" vem de uma unidade que, por necessidade, raramente sai das sombras. A unidade 8200 é especializada na ciberdefesa e frequentemente é comparada à NSA (National Security Agency) americana.

Em um país onde o exército desempenha um papel proeminente e onde a opinião apoiou esmagadoramente a recente guerra em Gaza, a última manifestação de objecção de consciência remonta a 2003, durante a Segunda Intifada. Vinte e sete pilotos da Força Aérea recusaram-se a realizar as operações de liquidação nos Territórios Palestinos.

Eles perderam o sono


"Acredito que todos nós assinamos esta carta pela mesma razão: porque não podemos mais dormir à noite", resumiu um dos 43 em uma entrevista publicada nesta sexta-feira no Yediot Aharonot.

Uma mulher fala sobre um erro de identificação que ela cometeu e que levou à morte de uma criança. Outros se revoltaram por ter de ouvir conversas íntimas de palestinos.

"Se você é gay, e você conhece alguém que conhece alguém que conhece o homem que Israel está procurando, Israel vai transformar sua vida em um inferno", explica um outro a título de exemplo.

"É assim que recrutamos agentes em todo o mundo, este método de chantagem aparece em qualquer manual de inteligência de qualquer exército", comenta o coronel reservista Itamar Yaar, ex-vice-presidente do Conselho de Segurança Nacional à AFP.



"Os soldados também são cidadãos e também têm uma opinião política. Eu teria preferido que esta carta não existe, mas está aí, e é uma coisa normal", disse ainda.

Um oficial de segurança minimizou o impacto do "Manifesto dos 43".

"Eles lavam sua roupa suja em público antes mesmo de se virar contra os militares. Esta é a prova de que eles estão em um processo de ativismo político em vez de um desejo de mudar o sistema", disse à AFP uma autoridade da segurança que pediu anonimato.

Segundo ele, essas 43 pessoas representam menos de 1% do número total dos reservistas da unidade 8200.