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Crise entre Rússia e Ucrânia leva Otan a recuperar sua essência

Aprofundada após a anexação da península da Crimeia em março de 2014, a crise na Ucrânia disparou os alarmes na Europa

Bruxelas - A escalada da violência na Ucrânia está obrigando a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) a retomar sua missão de origem - a defesa coletiva dos 28 aliados da Aliança -, diante da mais grave crise entre Rússia e Ocidente desde o fim da Guerra Fria.

A cúpula da Otan de quarta e quinta-feira, que acontece em Gales no Reino Unido, é a oportunidade esperada para mostrar que seus membros podem agir rápido, depois de anos de operações além de suas fronteiras.

[SAIBAMAIS]"A Otan volta para sua essência. Vai se concentrar na defesa coletiva depois de 20 anos de operações que nos deram muita experiência, durante os quais enfrentamos desafios que não esperávamos", explicou o embaixador americano na Aliança, Douglas Lute.



A Aliança foi criada em 1949 para enfrentar a então União Soviética. Com a Queda do Muro de Berlim e na ausência de ameaças imediatas na Europa, a Otan encadeou operações nos Bálcãs, atuou contra a pirataria marítima na costa somali e mergulhou na guerra contra o terrorismo. Liderada pelos Estados Unidos após os atentados do 11 de Setembro, a guerra levou a Aliança ao Afeganistão, sua mais longa campanha.

Enquanto isso, a maioria dos antigos países-satélites de Moscou foi incorporada entre o final da década de 1990 e meados de 2000 à União Europeia (UE) e à Otan, com uma Rússia em frangalhos e incapaz de conservar o "status" de potência da era soviética.

Aprofundada após a anexação da península da Crimeia em março de 2014, a crise na Ucrânia disparou os alarmes na Europa, expondo a instabilidade na porta de casa.

Um novo entorno estratégico


Desde então, o secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, repete que a Rússia tenta redesenhar as fronteiras da Europa. Ele adverte ainda que a crise na Ucrânia é a ameaça mais séria à segurança do Atlântico Norte desde o fim da Guerra Fria.

Recentemente, Fogh Rasmussen lembrou que, nos últimos cinco anos, o orçamento militar russo deu um salto de 50%, enquanto o dos aliados teve uma contração de 20%. O presidente americano, Barack Obama, já pediu aos sócios da organização que revertam essa tendência.

"A Otan enfrenta um entorno estratégico diferente do que há seis meses, ou um ano", disse à AFP um diplomata em Bruxelas, que pediu para não ser identificado. A cidade belga é a capital "de facto" da UE e abriga o quartel-general da Aliança. "Todos estão de acordo em que a Aliança deve, agora, concentrar-se na defesa coletiva, em seus fundamentos", acrescentou a mesma fonte.

A Ucrânia não é membro da Otan, mas assinou acordos de cooperação em 1997. Nesse mesmo ano, a organização e a Rússia firmaram um tratado que estabelecia que ambas as partes não se considerariam como adversários.

Em busca de credibilidade


Todos os presidentes dos países que integram a Aliança, começando por Obama, insistem em que a Otan prestará ajuda a qualquer membro que seja atacado. Envia-se, com isso, uma mensagem aos aliados do Leste Europeu, como a Polônia ou os países bálticos, que têm reivindicado firmeza diante do avanço russo na Ucrânia.

Neste contexto, afirmam analistas consultados pela AFP, a cúpula de Gales pode ser um momento-chave para a organização, mostrando que ela continua sendo relevante e que seus membros estão dispostos a fazer o necessário para enfrentar uma Rússia cada vez mais agressiva.

Para o diretor do Instituto Real de Relações Internacionais (RIIA, na sigla em inglês) de Londres, Robin Niblett, ninguém espera uma intervenção militar na Ucrânia, mas um brusco aumento nas capacidades da Otan enviará uma mensagem clara a Moscou. "Esta deve ser a cúpula da credibilidade", afirmou Niblett.

Nesta segunda, o secretário-geral da Otan apresentou as diretrizes de um plano de reação da Aliança para enviar uma força de reação "extremamente rápida" no leste da Europa, capaz de atuar como ponta de lança de um contingente maior em apenas dois dias.

"Acho que esse vai ser um sinal que a Rússia vai entender", disse Niblett. "Talvez não mude seu comportamento, mas a Rússia entenderá que é real e que tem consequências", completou.