Jornal Correio Braziliense

Mundo

Um ano após contestação na Turquia, Erdogan desafia adversários

Desde a revolta no ano passado, o chefe de governo se concentra em abafar qualquer indício de dissidência.

ISTAMBUL - O primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan desafiou neste sábado (31/5) seus adversários que planejavam celebrar o primeiro aniversário da revolta antigoverno de junho de 2013 na Praça Taksim de Istambul, ameaçando com represálias da polícia.

Poucas horas antes da manifestação anunciada por um coletivo de ONGs, sindicatos e membros da sociedade civil, Erdogan reagiu com firmeza, garantindo que as forças de ordem fariam "o que fosse necessário, de A a Z", para impedir a realização do protesto.

"Vocês não podem ocupar Taksim como fizeram no ano passado, porque vocês têm que respeitar a lei", acrescentou diante de milhares de simpatizantes.

Desde o início da manhã, milhares de policiais da tropa de choque e à paisana se posicionaram no bairro da emblemática praça de Istambul, onde se iniciou a revolta de 2013 e que, desde então, foi declarada zona proibida para protestos.

As autoridades turcas mobilizaram mais de 25.000 homens e cinquenta canhões de água para conter os manifestantes, sugerindo novos confrontos. Ao meio-dia, também fecharam o famoso Parque Gezi.

Foi neste pequeno jardim público, no centro da parte europeia da maior cidade da Turquia, que nasceu a onda de contestação que fez tremer pela primeira vez o regime Erdogan, que reina incontestadamente sobre o país desde 2003.

Na manhã de 31 de maio de 2013, a polícia expulsou violentamente do parque algumas centenas de ativistas ambientais que se opunham a sua destruição. Alimentados pela repressão, o movimento cresceu para se transformar em uma revolta política sem precedentes contra o poder islâmico-conservador.

Cerca de 3,5 milhões de turcos -número oficial da polícia- marcharam contra Erdogan em toda a Turquia durante as três primeiras semanas de junho.

Estes eventos foram severamente reprimidos, terminando com pelo menos oito pessoas mortas e mais de 8.000 feridas.

Apesar do efetivo policial mobilizado neste sábado, muitos turcos se reuniram para homenagear as vítimas, em silêncio e individualmente.

Contestação sufocada

"Vamos lembrar por muito tempo as pessoas que perderam suas vidas aqui e como o governo agiu contra os seus cidadãos", declarou à AFP Ugur, uma professora de 31 anos, cercada por dezenas de policiais.

"Eu tento lembrar as vozes e os sons que eu ouvi aqui no ano passado", disse Sebnem, uma atriz de 41 anos, pouco antes do parque Gezi ser fechado. "Não podemos apagar esses momentos. As árvores, o ar e a terra nos fazem lembrar tudo o que aconteceu", declarou emocionada.

No início da tarde, um pequeno grupo de estudantes desafiou a polícia, iniciando uma leitura pública, mas foi rapidamente dispersado.

Além de suas ameaças, o primeiro-ministro usou seu discurso deste sábado para atacar seus adversários. "Eu apelo ao meu povo. Não se deixe enganar. Esta não é uma campanha ambientalista, não há sinceridade nisso", disse.

"A violência nasce onde não há nenhum pensamento ou ideia. As pessoas de Gezi são aquelas que não têm ideias", lançou Erdogan na sexta-feira, acusando "organizações terroristas" de "manipular os jovens (...) para atacar a nossa unidade e nossa economia".

Desde a revolta no ano passado, o chefe de governo se concentra em abafar qualquer indício de dissidência.

Ao longo dos meses, centenas de manifestantes foram levados à justiça . Além disso, Erdogan adotou uma série de leis para fortalecer seu domínio sobre o Poder Judiciário e as redes sociais, e aumentou os poderes dos serviços de inteligência.

Apesar de um escândalo de corrupção que arranhou a imagem de seu regime, Erdogan venceu com folga as eleições municipais de 30 de março e agora se prepara para anunciar sua candidatura à presidência de 10 a 24 de agosto.

Para denunciar esta deriva autoritária que o coletivo Taksim Solidariedade exortou a população a tomar as ruas neste sábado, assim como há um ano.

"A forma como o governo se dirige a nós é cada vez mais violenta (...) acreditamos que só podemos ser ouvidos nas ruas", disse à AFP um membro do coletivo, Tayfun Karaman, acrescentando que "este é apenas o começo, a resistência continua".