Cidade do Vaticano - O papa Francisco proclamou neste domingo (27/4) santos João Paulo II e João XXIII, dois pontífices que "não se deixaram vencer pelas tragédias do século XX", durante uma cerimônia na praça de São Pedro que também contou com a presença de seu antecessor, Bento XVI. "Declaramos e definimos como santos os beatos João XXIII e João Paulo II e os inscrevemos no Catálogo dos Santos, e estabelecemos que em toda a Igreja sejam devotamente honrados entre os Santos", foi a fórmula pronunciada em latim pelo primeiro papa latino-americano da história, após a qual a multidão rompeu em aplausos. Pela primeira vez em dois mil anos de história da Igreja, uma canonização foi concelebrada por dois Papas vivos para elevar aos altares dois pontífices muito diferentes, mas cujos pontificados foram muito populares.
Francisco entrou às 10h locais (5h de Brasília) na praça em procissão, seguido por cardeais e bispos que entoavam a ladainha dos santos. O papa emérito Bento XVI, que renunciou ao trono de Pedro em 2013, participou vestido com a batina branca da cerimônia concelebrada por 150 cardeais e mil bispos. Em sua chegada, foi recebido por calorosos aplausos e saudado com um abraço especial tanto no início quanto no fim da cerimônia por Francisco, em um gesto de fraternidade.
"Foram sacerdotes, bispos e Papas do século XX. Conheceram as suas tragédias, mas não foram vencidos por elas. Mais forte, neles, era Deus", declarou o Papa argentino, comprometido com uma reforma profunda da instituição após anos de escândalos provocados pelo silêncio da Igreja diante das denúncias de pedofilia de padres, de intrigas internas e de questões financeiras.
João XXIII e João Paulo II colaboraram com o Espírito Santo para "restabelecer e atualizar a Igreja segundo a sua fisionomia originária, a fisionomia que lhes deram os santos ao longo dos séculos", ressaltou Francisco. A dupla canonização, do italiano João XXIII - considerado um progressista ao convocar o Concílio Vaticano II em 1962 para modernizar a Igreja - e do polonês João Paulo II - que enfrentou o comunismo e foi inflexível em temas morais - foi, segundo analistas, um golpe de mestre para Francisco, para unir os diferentes setores da Igreja. Também encarnam duas imagens diferentes: o primeiro humilde e próximo do povo; o segundo um comunicador nato, carismático e capaz de seduzir tanto os poderosos quanto as multidões.
As relíquias dos dois novos santos, uma ampola de sangue de João Paulo II e um pedaço de pele de João XXIII extraída durante sua exumação no ano 2000, foram colocadas junto ao altar. A mulher costarriquenha Floribeth Mora, de 50 anos, cuja cura de um aneurisma cerebral foi considerada o segundo milagre do Papa polonês, foi a encarregada de entregar a de João Paulo II.
[SAIBAMAIS]Cerca de 800 mil pessoas acompanharam a cerimônia, segundo números oficiais, 300.000 delas através de 17 telões instalados em locais chave de Roma. "João Paulo II foi o grande protetor de meus filhos", comentou entre lágrimas a peruana María Cardoza, que chegou muito cedo ao Vaticano para poder acompanhar a histórica canonização.
Papas na praça
Um enorme cartaz na praça resumia o significado do dia para os católicos: "Dois Papas santos no céu, dois Papas na praça" de São Pedro. No total, 98 delegações lideradas por 24 chefes de Estado e de governo, entre eles os reis da Espanha, os presidentes de Equador, Honduras, El Salvador, assim como o controverso presidente do Zimbábue, Robert Mugabe, acompanharam a canonização.
A cerimônia, que durou duas horas, também foi assistida por representantes de todas as religiões, entre eles uma importante delegação judaica, para homenagear dois Papas que lutaram contra os preconceitos contra os judeus. "Estou muito emocionada, porque conheci pessoalmente João Paulo II", confessou a argentina Fernanda de Diego, entre os milhares de latino-americanos e centro-americanos que lotavam a praça.
Bandeiras de Polônia, Argentina, Brasil, Colômbia e de outros países circulavam entre a multidão, e dois cartazes gigantes com as imagens dos novos santos foram instalados na fachada da Basílica de São Pedro. A praça foi enfeitada com 30 mil rosas vermelhas, amarelas e brancas doadas pelo Equador, cujo presidente, Rafael Correa, estava presente na cerimônia. As celebrações começaram no sábado com uma "noite branca" de orações em quinze igrejas do centro histórico de Roma.
Um dispositivo especial para alojar, transportar e atender aos centenas de católicos da Europa foi colocado em andamento pelas autoridades da capital italiana para administrar o difícil tráfego de automóveis e pessoas.
A cerimônia podia ser seguida em vários idiomas, entre eles espanhol, português, árabe e francês, tanto ao vivo quanto pela televisão. A Basílica de São Pedro permanecerá aberta até a 01h00 de segunda-feira para que os peregrinos de todo o mundo possam orar no maior templo do cristianismo.
A canonização foi transmitida ao vivo pela televisão a diversos países do mundo e seguida por 2 bilhões de pessoas dos cinco continentes, segundo cálculos do Centro de Televisão Vaticano (CTV). Novos satélites transmitiram pela primeira vez a canonização em Alta Definição. Cerca de 500 salas de cinema de 20 países a transmitiram gratuitamente em 3D.